Há um ano dei uma entrevista para este Sistema Jornal do Commercio de Comunicação que causou uma
certa polêmica no meio acadêmico, quando expressei minha preocupação com a demora de resposta das universidades federais ao ensino remoto. Seis meses depois estava no jornal O Estado de S. Paulo posicionando-me em defesa da autonomia dessas mesmas instituições, em consonância com o Art. 207 da Constituição Federal. E novamente venho, por meio desta coluna, expressar-me contra o corte de verbas discricionárias que essas universidades sofreram no orçamento deste ano. Eu diria que o Sistema Federal de Ensino Superior está chegando ao limite.
O corte de R$ 1 bilhão imposto pela Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 vai levar à quebra desse importante segmento do ensino superior, que é estratégico para o desenvolvimento do país. Ninguém em sã consciência pode deixar de reconhecer o enorme valor de nossas universidades federais para a qualidade do ensino e da pesquisa, formando recursos humanos de alto nível produzindo conhecimentos de ponta, além de um trabalho relevante na relação com a sociedade mediante a extensão universitária. O sistema de ensino superior não sobrevive sem as universidades federais.
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Entretanto, o que propõe agora o governo federal, ao fazer esse gigantesco corte nas
verbas discricionárias (aquelas usadas, por exemplo, para pagamento de luz, água, segurança, assistência estudantil...), significa simplesmente dizer que esse sistema não importa ao desenvolvimento brasileiro.
No caso da assistência estudantil, o corte, segundo o reitor Edward Madureira, da Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), associação que já presidi, é da ordem de R$ 180 milhões. Segundo ele, como
o perfi l socioeconômico desses alunos é de baixa renda, cortar alimentação e moradia significa
mandá-los embora da universidade.
Será impossível – e falo com a experiência de ex-reitor de uma universidade federal – oferecer atividades acadêmicas a partir do segundo semestre deste ano, mesmo que por meio remoto, com esse orçamento. É bom lembrar que apenas parte das universidades federais está fechada; não podemos nos
esquecer dos hospitais de clínicas (são 50 hospitais universitários), dos laboratórios de pesquisas e de outros órgãos que vêm mantendo suas atividades regulares com muito esforço.
O projeto sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro tem um corte de 18,16% em relação a 2020, e leva as universidades federais ao patamar de verbas discricionárias de 2004, quando o número de instituições era de 51 – hoje é de 69 –, sem esquecer que hoje o número de alunos mais do que dobrou de
lá para cá.
Uma das mais importantes instituições desse segmento é a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que em nota ofi cial deixa claro que a instituição não terá como arcar com o funcionamento básico a partir de julho, e que o risco de paralisação total é real.
Algumas poucas vezes deixei de concordar com as medidas tomadas por essas universidades, e assim o farei quando achar necessário, mas sempre estarei em defesa delas, porque sem elas o Brasil será um país ainda mais desigual.
Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP –Ribeirão Preto e ex-reitor da
UFPE.
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