Talvez em função da gravidade sanitária pela qual estamos passando, com mais de 470 mil óbitos pela covid-19 e quase 17 milhões de pessoas oficialmente infectadas, estamos deixando em segundo plano a grave situação da educação no país provocada pela pandemia. Desde março de 2020, há mais de um ano, portanto, milhões de crianças e jovens estão sem desenvolver, por diferentes motivos, nenhuma atividade escolar. O mais frequente deles é a falta de conectividade digital (internet
e banda larga), que impede que esses estudantes tenham acesso ao ensino remoto. Lamentavelmente, o país não elaborou um plano nacional de conectividade digital para 2021, achando que voltaríamos maciçamente ao ensino presencial. Ledo engano.
A gravidade sanitária provocada pela segunda onda está sendo ainda maior que a primeira. Isso poderia ter sido atenuado caso o processo de vacinação no Brasil tivesse sido mais bem planejado.
Em consequência, uma boa parte das escolas públicas estão fechadas, e milhões de estudantes continuam sem acesso ao ensino remoto. Em resultado disso, o país está mergulhando num fosso bastante profundo no campo da aprendizagem escolar, como relatei no artigo anterior de 31 de maio, neste mesmo jornal.
Uma das consequências desse grave retrocesso escolar é a perda de renda que isso acarretará, num futuro próximo, a essa geração de estudantes que ficou sem aulas em 2020. A estimativa do economista Ricardo Paes de Barros é da ordem de R$ 700 bilhões de reais. Esse estudo foi muito bem retratado pelo ex-ministro da Educação Mendonça Filho, em seu artigo de 5 de junho, neste mesmo jornal.
O abismo entre ricos e pobres, que já era grande, vai crescer ainda mais em nosso país. Cada dia sem acesso à escola pode significar maiores chances de abandono escolar, especialmente entre os jovens. Antes da pandemia, dados de 2019 mostravam que o abandono escolar, no Ensino Médio, era de 500 mil jovens ao ano. Estima-se agora que esse número cresça, infelizmente, em torno de 30%.
Corremos o risco de perder uma geração de crianças e jovens se o país não fizer nada para reverter esse quadro. Por entender a gravidade da situação, mais uma vez, o Conselho Nacional de Educação (CNE), como fez em 2020, começa a preparar em caráter de urgência um Parecer sobre a covid-19 e a volta às aulas para ajudar as redes e os sistemas de ensino de todo o Brasil. É preciso que as autoridades educacionais brasileiras acordem para a gravidade do momento, pois amanhã poderá ser tarde demais. Parafraseando a chilena Gabriela Mistral, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 1945: “O futuro das crianças é sempre hoje. Amanhã será tarde”.
Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP –Ribeirão Preto e professor
emérito da UFPE.
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