Quase a metade da população de Cuba tem menos de 40 anos. Quando nasceram, a mística revolucionária já estava envelhecida. Essa distância de gerações deve provocar um alheamento do desgastado slogan revolucionário "Patria o muerte" e um inconformismo com a igualdade na escassez, as cotas de alimentos e as filas intermináveis (para não falar no privilégio dos que detêm dólares), com o mercado negro e, principalmente, com a falta de liberdade de informação e de organização. O que está mobilizando a juventude cubana que invadiu as ruas das cidades, na semana passada, é o o slogan "Patria y vida" da música de protesto criada por um grupo de rappers cubanos com enorme sucesso na ilha.
A pandemia escancarou as fragilidades de Cuba e as recentes manifestações de protesto evidenciaram a rigidez dos dirigentes cubanos que continuam ignorando o mercado, controlando a informação e desconhecendo as mudanças tecnológicas e geopolíticas que sacodem o mundo. Nos últimos anos, o governo cubano vinha tentando flexibilizar a economia e ensaiou uma renovação da estrutura de poder, sem, contudo, abandonar o sistema de partido único. Os dirigentes sabem que é inevitável e inadiável organizar uma transição do "socialismo" cubano para uma economia de mercado e um sistema político democrático. Mas temem que cada abertura provoque uma avalanche de demandas sociais e, principalmente, políticas, que ameacem o seu domínio político.
O sistema político impermeável às divergências não permite compreender um fenômeno social como os protestos que sacudiram o país. Por isso, o presidente Díaz-Canel preferiu atacar os manifestantes, chamá-los de "inimigos da revolução" manipulados pela CIA, suspender a internet e jogar a culpa da crise no inimigo externo. O bloqueio econômico norte-americano é uma aberração, um resquício inaceitável da guerra fria e, claro, tem efeito negativo na economia cubana, mas não é a causa das fragilidades do país que decorrem, antes de tudo, do anacronismo do modelo econômico e do regime político. Este é o recado das ruas. Em resposta, o governo cubano deveria acelerar a transição para uma economia de mercado, até para consolidar avanços sociais (como na educação), e democratização das instituições que permitam expressar e organizar as múltiplas aspirações da sociedade cubana.
Sérgio C. Buarque, economista
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