ARTIGO

Cerca de 20 milhões de brasileiros não sabem se terão comida nos próximos dias

"Pobreza, inflação, pandemia, recessão e um iniquo sistema tributário têm contribuído para um quadro de fome no país que é inaceitável para um país da dimensão e da importância do Brasil no conjunto das economias emergentes". Leia o artigo de Jorge Jatobá

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JORGE JATOBÁ

Publicado em 19/10/2021 às 6:13
Vera Lúcia Ferreira da Silva, 42, moradora da Comunidade Roque Santeiro, nos Coelhos, Centro do Recife, em 2021 - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

Dados recentes produzidos pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e divulgados pela FSP (13/1/2021), apresentam informações preocupantes sobre a fome no Brasil. Os dados foram coletados em dezembro de 2020 por meio de pesquisa domiciliar antes da pandemia se agravar e de a inflação subtrair poder de compra das famílias. A fome está presente no cotidiano de milhões de brasileiros e nos choca diariamente em meio a enorme desigualdade que nos cerca. No Nordeste a fome atinge 14% dos domicílios, percentual maior do que a média de 9% observada para o conjunto do país.

Cerca de 20 milhões de brasileiros não sabem se terão comida nos próximos dias, revelando uma grave insegurança alimentar. Outros 24,5 milhões não sabem como se alimentarão nos próximos meses e já estão diminuindo a ingestão e a qualidade dos alimentos consumidos. Ao longo dos últimos doze meses a inflação elevou-se e já está em dois dígitos (10,25%) significando que uma nota de R$ 100,00 compra hoje menos 10,25% dos bens e serviços que constam da cesta do IPCA do que há um ano atrás. Isso equivale a um imposto, especialmente sobre os mais pobres. Além disso a inflação em setembro de 2021 já contaminava cerca de 64% dos alimentos, dificultando a substituição de itens mais caros pelos mais baratos. A inflação causada por choques de oferta que comprometeu cadeias de suprimentos de bens industrializados, pela crise hídrica-energética pelo preço dos combustíveis e pelo dólar valorizado, se superpõe às perdas de renda causadas pelo desemprego e pela interrupção dos circuitos de renda dos informais que só agora apresentam ligeira melhora.

Além disso, o nosso sistema tributário é regressivo porque mais de 50% dos impostos brasileiros são indiretos incidindo sobre bens de consumo. A carga tributária sobre alimentos, por exemplo é de 22,5% no Brasil em contraste com a média mundial de 6,5%.

Pobreza e fome estão associados e a primeira vem se agravando no país desde 2014. Desde então se sucederam períodos de recessão, de baixo crescimento e, como golpe incisivo, a profunda retração na atividade econômica induzida pela pandemia de 2020. Este ano é de recuperação sobre a base deprimida do ano anterior. Segundo a FGV-Social, o Brasil possui atualmente 27,4 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza (renda inferior domiciliar per capita inferior a R$ 261), uma parte substantiva destes no Nordeste. Pobreza, inflação, pandemia, recessão e um iniquo sistema tributário têm contribuído para um quadro de fome no país que é inaceitável para um país da dimensão e da importância do Brasil no conjunto das economias emergentes.

Jorge Jatobá, doutor em Economia

 

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