Você nunca estará preparado para as surpresas de uma partida e de uma chegada. E quando elas acontecem agente fica meio abilolado. Nessa semana me deparei com as duas situações. Um parente querido, alegre, bonachão, pai de família exemplar foi chamado antecipadamente para entrar no trem da partida. Um pinguinho de gente, bochechudo, esperto, olhos atentos avisou que o trem da chegada já se aproximava da estação.
O maquinista, o mesmo para ambos os trens, é o único que conhece o plano de embarque, o trajeto, as poltronas disponíveis e a tabela de horários. "São só dois lado de uma mesma viagem, o trem que chega é o mesmo trem da partida". Os belos versos de Milton Nascimento e Fernando Brant, na canção Encontros e Despedidas, são de uma leveza inebriante e acalmam esse momento familiar.
Resolvi sentar calmamente no banco da estação da minha vida para recapitular os trens que passaram em alta velocidade. Para refletir sobre cada janela. O que elas representaram. Quais ensinamentos a ficar. O trem parou. A sirene tocou. A porta do apartamento vai se abrir.
Aquela bolinha toda empacotada entre mantas e lençóis (não sei como eles não se revoltam com aquilo) chega para ficar. Chorou logo abusado. Acho que queria chamegar. Você fica olhando e não acredita no milagre da natureza ou de Deus. Já não brigo por isso.
Assim que foi sacado do ventre da mãe, já sorriu para um flash. Minutos após, a foto já estava na página da internet da maternidade. Sentado na estação percebi que estou boko-moko . Deixa pra lá. A vida é um vai e vem de estações. Uma hora o trem sinaliza que vai partir. Levará passageiros. Levou meu camarada. Alguns retornarão pra ficar. Outros seguirão sem voltar.
Continuo sentado à espera de outras chegadas e outras partidas. Quando o bilheteiro me convidar para entrar, não poderei recusar. Mas, até lá, ainda há muito a aproveitar. Perdoar os que cruzaram a minha vida e me fizeram mal. Agradecer os amigos que compensaram, e me fizeram muito bem.
"São dois lados da mesma viagem". É só sentar no lado certo da estação. O pinguinho chorou de novo. A enfermeira vem pra ajudar no mamar. A mãe não é marinheira de primeira viagem, logo arruma um jeito de confortá-lo.
O pinguinho abre o olho semiaberto para outra sessão de fotos.
A pediatra interrompe para o teste do coraçãozinho. Ufa! Tudo ótimo. Pronto pra sofrer pelo leão da Ilha.
Amigo, teu trem já partiu. Não consegui me despedir. Mande notícias do mundo de lá, diz quem fica.
Pinguinho, arrase na estação da vida, é a sua hora! Paz e bem!
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva