Pela legislação atual (Lei 14.211/21 e Resolução TSE 23.677/21) a sistemática de alocação de vagas legislativas nas eleições proporcionais consiste de três etapas:
Na 1ª etapa, as vagas são preenchidas apenas pelos partidos que atingiram o quociente eleitoral (QE). Os lugares não ocupados são distribuídos por sobras de voto pelo critério das maiores médias;
Na 2ª etapa, as vagas por sobras são preenchidas pela regra dos 80-20 (partidos e candidatos com votação de no mínimo 80% e 20% do QE, respectivamente);
Na 3ª etapa, havendo ainda lugares remanescentes, estes serão ocupados apenas pelos partidos que tenham votação de pelo menos 80% do QE (o requisito de 20% do QE é flexibilizado).
Irresignados com as restrições dessa 3ª etapa os partidos REDE, Podemos/PSB, e Progressistas, impetraram no STF as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7228, 7263 e 7325, respectivamente, ora em julgamento suspenso por pedido de vista.
Em apertada síntese, nessas ações, os requerentes sustentam que os dispositivos impugnados (inciso III e § 2° do art. 109 do Código Eleitoral, nas redações dadas pela Lei 14.211 e Res. 23.677) colidem com a norma constitucional no que tange ao resguardo do pluralismo político e da representação das minorias.
Com esteio em tais fundamentos, argumentam que na 3ª etapa da distribuição de vagas, a fase da "sobra das sobras", poderão concorrer aos lugares remanescentes, pelo critério das maiores médias, todas as siglas que participaram do pleito, dispensadas as exigências da regra dos 80-20.
No seu voto, o Relator das ações ajuizadas no STF, ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que não descabe razão aos reclamantes quando alegam que circunscrever a 3ª etapa da distribuição das vagas remanescentes apenas entre as legendas que alcançaram 80% ou mais do QE, ainda que sem a exigência dos 20%, ofende a letra e o espírito do texto constitucional.
Nessa esteira, o ministro-relator julga parcialmente procedentes as ADIs sob invectiva para dar interpretação conforme à Constituição aos dispositivos impugnados, de maneira a permitir que todas as legendas e candidatos participem da 3ª etapa, sem as travas 80-20.
Na sequência, em respeito ao princípio da anualidade eleitoral e ao postulado da segurança jurídica, o Relator propõe modular os efeitos temporais da decisão, imprimindo-lhe caráter ex-nunc, com vigência a partir do pleito de 2024.
Na hipótese de o voto do Relator ser acompanhado pela colenda Corte, mas, ao revés, com efeito ex-tunc, a evidência da eleição de 2022 mostra que haveria mudanças de deputados federais nos Estados do AP (4), TO (1) e RO (1) e no DF (1), ao passo que nenhuma alteração se processaria nos Legislativos dos estados.
Ainda no bojo das ADIs, os demandantes expressam natural irresignação contra o art. 111 do Código Eleitoral, que introduz o sistema majoritário - na modalidade "distritão" - no arcabouço proporcional, ao prever que na hipótese de nenhuma sigla alcançar o QE serão eleitos os candidatos mais votados.
A essa inescusável ofensa à Carta Magna, o Relator sugere repará-la aplicando diretamente os parâmetros da 2ª e 3ª etapas (já que não há 1ª etapa), esculpidos nas alterações promovidas no seu voto.
Enfim, o voto de Lewandowski, assentado em fortificadas razões, restaura o princípio da igualdade de chances, o pluralismo político e a representação das minorias, reformando as inúmeras distorções empíricas derivadas da legislação contestada, eivada de flagrante desarmonia com a lógica e os fundamentos do sistema proporcional.
Inobstante a complexidade do feito, o mérito do voto e sua modulação temporal com eficácia ex-nunc pavimentam o caminho para que a propositura do Relator seja aprovada pela colegialidade do STF.
Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br