Há dez anos, o Brasil vivenciava um fenômeno novo, mas que já vinha sendo experimentado por outras democracias: uma série de manifestações populares, cujo motor mobilizador foram as redes sociais, com forte apelo anti sistema e outras pautas difusas, porém quase sempre na direção de questionar as lideranças e o funcionamento das instituições políticas. Esses movimentos tiveram o seu ápice no mês de junho, daí terem entrado para a história como “jornadas de junho”.
À luz do contexto atual, buscamos compreender o que de fato se passou naquele 2013 e quais os legados deixados, para além das questões circunstanciais vivenciadas. Uma pesquisa realizada pelo Ipec buscou identificar os efeitos mais duradouros daqueles movimentos nas escolhas feitas pelo eleitor brasileiro. Para 39% dos entrevistados concordam totalmente ou parcialmente com a afirmação “os protestos daquele ano foram decisivos para mudar o modo de escolher políticos nas eleições”. 45% afirmaram discordar, ou seja, para quase metade dos respondentes as escolhas eleitorais não foram afetadas de modo decisivo pelas jornadas de junho.
Por outro lado, na visão de 35% dos entrevistados, o movimento nas ruas em junho de 2013 reduziu a corrupção na política de lá para cá. 19% concordam totalmente com esta visão e 16% concordam em partes com essa avaliação. Esse era um dos aspectos centrais nas narrativas de 2013: a visão anti sistema estava atrelada ao combate à corrupção, identificada como uma das questões mais graves do país.
Vale ressaltar que vivíamos o contexto da Operação Lava Jato, condensando um forte sentimento de ‘ruptura”. A classe política se via “emparedada”. Por isso, as visões de mundo amparadas tanto pela direita quanto pela esquerda pareciam não ser suficientes para fundamentar o caminho da mudança, uma vez que, de forma inédita, as pessoas manifestaram suas inquietações sobre os partidos e apesar deles. Uma nova esquerda surgia com rejeição a lideranças estabelecidas, mas que parecia não compreender o contexto e a direção que os movimentos assumiram. Assim, foi uma nova direita que conseguiu ganhar corpo a partir daqueles movimentos e se consolidou na formação de lideranças, algumas delas alcançando protagonismo político em anos subsequentes.
Para muitos brasileiros, a ida aos protestos em 2013 foi a primeira experiência política da sua vida. Uma década depois, podemos claramente enxergar a continuidade de questões que moviam esses brasileiros, seja porque soluções não foram encaminhadas ou porque se tratam de questões estruturais muito mais arraigadas do que pareciam. Mas não podemos negar que, aqui e em outras democracias, lideranças políticas foram desafiadas a pensar a relação de representação com novos elementos, afinal, inegavelmente, houve perda de protagonismo das instituições e atores que até então determinavam as ações políticas mais relevantes. Uma década se passou e ainda há tempo para se aprender e se criar novos consensos sobre o país que desejamos.
Priscila Lapa, jornalista e cientista política