Tão logo tomou posse, em 01.01.2019, e até o término do seu mandato junto à Presidência da República, findado em 31.12.2022, Jair Bolsonaro, até então um deputado Federal sem expressão política e praticamente desconhecido da grande maioria dos brasileiros, iniciou a sua desastrosa trajetória presidencial, desde os seus primeiros dias de governo, publicamente e quase que diariamente atacando e vilipendiando o Poder Judiciário, mormente tecendo comentários atentatórios e pessoais contra muitos dos membros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, uma atitude jamais vista na história republicana brasileira, principalmente partindo de um chefe de Estado e de Governo, eleito pelo voto popular. Como se sabe, os Poderes da República, não obstante independentes, devem, porém, cada um deles, exercerem a sua missão com respeito e obediência rigorosa e permanente em busca da preservação da harmonia que deve prevalecer entre eles, porque é assim que a Constituição de 1988 estabelece expressamente e é assim que a democracia se fortalece. Sem isso, as crises políticas e sociais sempre estarão presentes no dia a dia da vida nacional.
No sistema democrático de governo que existe nos países republicanos, os seus Três Poderes, idealizados por Montesquiou, além de representarem a essência da igualdade de todos perante a lei, devem caminhar juntos e unidos, em defesa da Constituição e da convivência fraterna que devem permear o corpo social para a qual o Texto Maior foi aprovado e é dirigido. A supremacia de um dos Poderes sobre os demais, sem autorização constitucional, traduz uma conturbação social que deprime a dignidade humana, além de representar um dilema político e social degradante. A era de um Poder Moderador sobrepujando os demais, felizmente, só existiu no Brasil-Monarca. A Constituição de 1988 exige que cada um dos Poderes exerça a sua missão sem ameaçar ou atropelar os demais. Todos os Poderes da República, pela Constituição de 1988, estão submetidos a um controle de constitucionalidade dos seus atos, um exercício jurisdicional que é consagrado exclusivamente ao Poder Judiciário.
Assim como o presidente do Supremo Tribunal Federal não pode editar uma medida provisória, uma vez que ela é privativa do presidente da República, o presidente do Senado Federal também não pode indicar um nome para compor o STF, porque essa prerrogativa constitucional também é do presidente da República. Quando o Supremo Tribunal Federal ou qualquer magistrado - monocraticamente ou de forma colegiada - adota uma decisão judicial, todos, indistintamente, haverão de cumpri-la, embora muitas vezes não concordemos com os seus termos. Criticar uma decisão judicial é diferente de descumpri-la sem motivos justificáveis. Ameaçar a integridade física de um juiz ou dos seus familiares não deixa de ser uma conduta reprovável e criminosa. Isso existiu abertamente.
Nos quatro anos de governo, Bolsonaro efetivamente enfraqueceu as nossas instituições públicas, abalou os alicerces da nossa democracia, isolou o ciclo de cooperação e respeito que sempre predominou junto aos países da América Latina e da Europa, causando enormes transtornos à nossa economia e à política da boa convivência entre nações, que sempre mantiveram com o Brasil relações de cordialidade e de negócios internacionais ligados à importação e à exportação de produtos de todas as espécies. Nos quatro anos de desgoverno, assistimos à morte de milhares de brasileiros pela propaganda negativa da vacinação contra a Covid, que chegou tardiamente, quando muitos já haviam perecido. Os deboches e o desprezo aos profissionais de imprensa que cobriam o dia a dia presidencial, causaram costumeiros transtornos imensuráveis e vergonhosos, consumados pelas atitudes bruscas e desrespeitosas àqueles que são fontes da informação e da expressão e, também, essenciais para os destinos de qualquer nação.
Os meios de comunicação que não aderissem aos seus projetos polêmicos sobre a proliferação das armas de fogo e sobre o estímulo ao desmatamento da Amazônia, certamente sofreram irretratáveis represálias, fossem de ordem material, moral ou verbal. As ciências, num todo, foram substituídas pela crença no ódio e na força. Até que num 7 de setembro, em plena Avenida Paulista, em São Paulo, o ex-presidente resolveu, microfone na mão, assegurar que "a partir de agora não cumpro mais qualquer decisão assinada por Alexandre de Moraes". Tenho dúvidas se o chefe do Executivo e os seus assessores não atentaram que aquelas palavras significavam um crime de responsabilidade, descrito no art. 4º, VII, da Lei 1.079/1950. Passou impune.
Tendo oportunidade, Jair Bolsonaro, durante todo o período de governança, costumava descarregar, com frequência, suas enormes frustrações pelo seu desgoverno, caracterizado pela ausência de políticas públicas e pelo seu despreparo para o exercício de tamanha responsabilidade institucional.
Até que em pleno julho de 2022, no auge do processo eleitoral, Bolsonaro resolveu convocar, ao Palácio da Alvorada, embaixadores de vários países (92), onde propagou para o resto do mundo, inclusive com transmissão ao vivo pela Tv estatal, as mazelas das urnas eletrônicas, ao final assegurando aos presentes que sem o voto impresso as eleições de outubro seriam fraudadas pela Justiça Eleitoral. Foi o bastante para o Tribunal Superior Eleitoral, por 5 votos a 2, tornar o ex-presidente inelegível por 8 (oito) anos, imputando-lhe a prática do uso indevido dos meios de comunicação e o consequente abuso de poder, caracterizados pelo desvio de finalidade.
Esta foi mais uma página triste na história da política brasileira.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor, advogado criminalista, mestre e doutor em Direito, sócio do escritório Nunes & Rêgo Barros - Advogados Associados