OPINIÃO

Faces da mesma moeda: os aspectos-núcleo do julgamento do 8/1 no STF

A persecução penal sem a ampla defesa e sem o contraditório é estabelecer Tribunal de Exceção. E a defesa técnica sem qualidade ou convolada em ataque não coisifica a letra constitucional

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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire

Publicado em 26/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 26/09/2023 às 11:56
Sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília
Sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília - VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL

Na dinâmica civilizatória, guardam idêntico peso as garantias de defesa e a imperatividade de punição do comportamento comprovadamente transgressor, seja qual for a intensidade do ânimo do agente, pouco importando se o crime for de menor ou maior potencial ofensivo.

Ao Estado é confiado manter o equilíbrio humano, daí a ciência criminal, sendo propósito central para isso o fixar padrões de convivência básicos entre as pessoas, visto que a guerra generalizada impossibilitaria o adequado desenvolvimento do coletivo.

Não há dúvidas de que práticas (diretas ou indiretas) atentatórias à democracia, visando sua derrubada, são crimes e que os atos do 8/1/2023 na Praça dos Três Poderes, em Brasília, são exemplos disso.

O STF, na Ação Penal (AP) 1.060, proposta pelo Ministério Público Federal (PGR), vem julgando réus acusados de participação no episódio, que exibe conexão com outros sob o guarda-chuva de jurisdição da Corte. Lido pelo relator o seu voto, têm sido feitas as sustentações orais pelos advogados, tudo transmitido pela TV Justiça.

A denúncia segmenta os acusados em quatro grupos: (1) o dos financiadores; (2) o dos participantes por instigação; (3) o dos autores intelectuais e executores, que ingressaram em área proibida e praticaram cenas de vandalismo e de destruição do patrimônio público; e (4) o das autoridades do Estado responsáveis por omissão. Esse, no plano panorâmico, é o escopo acusatório.

As sustentações orais até aqui promovidas terminaram por levantar uma torrente de reflexões críticas sobre a efetividade do direito de defesa e a qualidade técnica do defensor e das teses que escolhe desenvolver da tribuna. Não admira.

Um dos causídicos afirmou da tribuna que os Ministros da Corte Suprema são hoje, "infelizmente as pessoas mais odiadas do País", o que a seu ver explicaria o ambiente convulsionado do 8 de janeiro. Disse também que agentes de segurança (policiais) presos por omissão e colaboração naquele episódio estariam a sofrer perseguição do Supremo, que, inclusive, os estaria psicologicamente torturando ao determinar a interrupção do pagamento dos seus salários.

Já outro causídico invocou fake news para criticar um Ministro quando este presidia o TSE, e, diante do Plenário, consignou que o magistrado teria dito que "eleição não se ganha, eleição se toma". A associação entre o Ministro e a declaração foi desmentida desde agosto de 2021, porém, mesmo assim, o incidente permeou a defesa do réu cliente do referido advogado no caso da AP nº 1.060. O advogado ainda enfatizou que o relator "inverteu o papel de julgador", tornando-se "acusador" nos processos, em "um misto de raiva com rancor, com pitadas de ódio quando se fala dos patriotas".

De fato, se os limites da defesa técnica não devem ser fluídos, mas sim objetivos, também precisam ser orientados pelos vetores da urbanidade, da racionalidade e da pertinência. Ou jamais será concretizada a previsão constitucional do artigo 5°, incisos LIV e LV.

A outra face da moeda está na temática das prerrogativas da defesa, que não são privilégios, mas direitos subjetivos de todo o acusado. Vem-se amiúde criticando a deliberação do STF de adotar o sistema de "plenário virtual" nos julgamentos do 8/1, o que dizima o uso da palavra em favor do acusado, divorciando-se do Estado Democrático. Cito aqui trecho de documento do Conselho Federal da OAB: "O julgamento presencial reveste-se de um valor inestimável em prestígio à garantia da ampla defesa, assegurando aos advogados a oportunidade de realizar sustentação oral em tempo real e, igualmente importante, possibilitando o esclarecimento de questões de fato oportunas e relevantes, bem como o uso da palavra, pela ordem".

Repousam aí em síntese final as duas metades da discussão, as quais não sobrevivem isoladas. A persecução penal sem a ampla defesa e sem o contraditório é estabelecer Tribunal de Exceção. E a defesa técnica sem qualidade ou convolada em ataque não coisifica a letra constitucional. É uma via de mão dupla. Ou se trafega por ela reconhecendo-a como tal ou não se irá atingir um denominador comum pelo bem de todos: réus, sistema de justiça e sociedade.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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