Em 2008, a Índia foi vítima de um brutal ataque de terroristas paquistaneses. Jihadistas armados, alegadamente auxiliados pela inteligência do Paquistão, promoveram 10 ataques sincronizados em ruas, prédios e hotéis, quando assassinaram ou feriram mais de 500 pessoas na movimentada cidade de Mumbai.
Apesar da óbvia negativa dos paquistaneses de qualquer participação no atentado, alega-se que os seus governantes buscavam uma escalada nas rusgas indo-paquistanesas, de modo que uma previsível retaliação indiana servisse de fator de unificação, eliminando as críticas dos opositores do regime.
Os indianos, apesar das enormes pressões populares para uma ação militar em solo paquistanês, optaram por assumir a condição de vítimas. A resposta ocorreu pontualmente e com discrição. Sem alarido, líderes terroristas e executores foram eliminados em operações das forças especiais e alguns foram trazidos às barras da Justiça, sem baixas civis. A inteligência estratégica da reação indiana, inesperada porque despida da permeabilidade aos ódios que inexoravelmente assolam em situações tais, evitou que os responsáveis pelo atentado findassem sendo premiados pelo atingimento dos seus objetivos iniciais: a desejada deflagração de um conflito bélico poderia ser extremamente útil aos agressores naquele momento.
A estratégia de reação israelense ao ataque sofrido em 8 de outubro, assemelhado na natureza ao episódio indiano, mas exponencialmente magnificado na selvageria, foi distinta e apocalíptica.
Enquanto você lê estas linhas, rigorosamente todos os 5 milhões de habitantes da Faixa de Gaza (uma área menor do que a dos municípios do Recife e Jaboatão somados) padecem severa e diretamente com os efeitos da retaliação do exército israelense. O embargo imposto a Gaza priva uma imensa massa populacional do acesso às necessidades vitais básicas como energia, água, comida e medicamentos. Um terço das edificações ali existentes foram destruídas ou danificadas.
Considerando que os terroristas do Hamas propositadamente montam centros de comando e depósitos no subsolo de instalações civis como hospitais, escolas e prédios residenciais, vários milhares de inocentes que estão presos numa zona de guerra, e impedidos de deixar o território isolado, estão sendo mortos ou severamente feridos.
O mundo, chamado, vê diariamente as imagens de crianças ensanguentadas, incontáveis desabrigados em desalentado, a profusão de corpos enfileirados ladeados por familiares em desespero. Enquanto famílias inteiras jazem sob os escombros dos bombardeios, a fome e a ausência de perspectivas seguem assolando a realidade de uma multidão incapaz de divisar no horizonte qualquer perspectiva de um fim para o enorme sofrimento generalizado que lhe é infligido.
Nos últimos dias, generais e ocupantes de cargos no alto escalão do governo de Israel fizeram declarações escabrosas, desumanizantes, as quais culminaram com a comparação de palestinos a animais e o cogitar da dizimação indistinta de milhões de inocentes. Todo esse contexto dantesco faz difundir pelo mundo afora a impressão de que os israelenses, vítimas iniciais da barbárie, decidiram ombrear moralmente os terroristas, numa reação que aparenta seguir uma releitura decuplicada da lei de talião, com a imposição desproporcional de baixas civis aos palestinos.
China e Rússia, olhos postos na geopolítica e nas eleições norte-americanas de 2024, aproveitam a oportunidade e engajam numa guerra cibernética voltada à amplificação da crescente antipatia aos estadunidenses no cenário internacional, bem como ao desgaste do governo Biden junto ao eleitorado que segue dividido e ruidosamente descontente em relação à posição seguida no conflito palestino-israelense.
Como resultado, tem-se a retomada da centralidade da questão palestina no cenário global, ganhando força a criação de um Estado Palestino com o aumento dos apoios à "causa". Em múltiplas frentes, Israel e estadunidenses cedem espaço a outros atores nas relações internacionais, reforçando o sentimento de exaustão da ONU, em seu modelo atual.
Internamente, o povo de Israel desacredita nos serviços de inteligência, no exército, no governo, e passa a conviver com o medo, sobretudo pelas sementes da revolta que foram novamente regadas pelo sangue dos inocentes nos territórios circunvizinhos.
A guerra na palestina, finalmente, faz aumentar significativamente as chances da eleição de Trump para um segundo mandato, num desfecho benéfico aos interesses russos e chineses no palco mundial. A lamentável conclusão a que se chega é que o Hamas, ainda que venha a ser dizimado, em alguma medida, já venceu.
Ronnie Preuss Duarte, advogado e ex-presidente da OAB-PE