Uma das expressões que ganharam força nos anos recentes, sobretudo no universo digital, foi: "é sobre isso", uma tentativa de lançar luzes sobre a essência de uma determinada questão que pode parecer nebulosa. Mesmo acreditando que a frase diz menos do que deveria e confunde mais do que esclarece, vou me servir dela para falar da frustração de uma parcela da sociedade com a não escolha de uma mulher para ocupar a Suprema Corte brasileira, como foi confirmado no último dia 28 de novembro.
A despeito das posições contrárias à indicação do presidente Lula, motivadas por divergências ideológicas, um dos principais aspectos do debate aberto foi a falta de compromisso com a representação feminina em uma instância tão relevante para a engrenagem democrática. O incômodo de alguns com o formato adotado no Brasil de indicação para funções públicas - pela suspeita respaldada historicamente de que critérios técnicos se misturam a vieses políticos e à troca de favores, no melhor estilo clientelista - é reforçado pela perspectiva da sub-representação de grupos sociais nas instituições brasileiras.
Mas, de novo, o debate acerca da exclusão das mulheres? Para quem acha que "já deu", vamos de estatísticas. Em toda a história do país, apenas três mulheres foram nomeadas para o Supremo Tribunal Federal. Pesquisa realizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), em que foram analisados tribunais superiores de 51 países democráticos nas Américas e na Europa, além do Tribunal de Justiça do Caribe, no período entre 2000 e 2021, demonstra a tendência de crescimento da presença feminina nas cortes, com aumento de 15,6%, nos anos 2000, para 36,6%, em 2021.
Ainda de acordo com o levantamento, enquanto a média global de participação feminina nas Supremas Cortes é de 26%, o Brasil tem uma taxa de apenas 11,1%. Com as indicações realizadas em 2023, não mudaremos esse cenário nem tão cedo.
Se quisermos ampliar o olhar para todo o Poder Judiciário, podemos nos valer do estudo capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019, que fez uma radiografia da atuação feminina no Poder Judiciário, no período de 2009 a 2018. A conclusão é de que o Poder Judiciário brasileiro é composto em sua maioria por magistrados do sexo masculino, com apenas 38,8% de magistradas em atividade.
A agenda da participação feminina na política vem sendo reforçada a cada período eleitoral no Brasil, inclusive motivando a criação de incentivos institucionais para assegurar uma representação mais equânime, não apenas sob a ótica de gênero, mas também considerando outros recortes, como a etnia. A temática transbordou os aspectos eleitorais e, contemporaneamente, se discute representação como um dos valores essenciais da vida em sociedade.
A liderança eleita para presidir o país, em um contexto de profundo enfrentamento ideológico, valeu-se de aspectos simbólicos importantes, como a subida da rampa do Palácio do Planalto ladeada por atores que representam a diversidade brasileira, para demonstrar que seu governo assumia, entre outros, o compromisso de priorizar a agenda da inclusão. No entanto, desperdiçou uma grande oportunidade quando fingiu que não era consigo e reforçou estruturas arraigadas nas instâncias de poder. É, novamente, sobre isso.
Priscila Lapa, jornalista, doutora em Ciência Política