A vulnerabilidade temporária é o eufemismo empregado pela burocracia municipal do Recife, para esticar há mais de uma década os auxílios financeiros para famílias que perderam suas casas – ou barracos – em incêndios entre os anos de 2007 e 2013. A reportagem publicada no JC de ontem escancarou o cúmulo do descaso prolongado com cidadãos que já não tinham habitação decente, e precisaram engolir a promessa repetida, ano após ano, de que receberiam moradias dignas. A vergonha a que são submetidos deveria ser compartilhada pela Prefeitura, e não somente com os recifenses que perderam tudo – pouco – que tinham pela ação do fogo. Milhares de cidadãos esperam há muitos anos a conclusão de habitacionais que, nas campanhas eleitorais, são mencionados como garantidos, mas na realidade atravessam décadas sem ser construídos.
A emergência se transformou em rotina extenuante para os moradores das comunidades Pocotó, Vila Brasil I e II, Campinho dos Coelhos e Roque Santeiro. Quando a quantia paga era de R$ 151, o valor representava 40% do salário mínimo – e já era um vexame de tão pouco. Atualmente, os R$ 300 pagos pela gestão João Campos significa 23% do salário mínimo de R$ 1.302. Uma das “beneficiadas” já conseguiu, no passado, alugar um canto com banheiro e abastecimento de água por R$ 100. Hoje precisa desembolsar R$ 400 de aluguel em uma ocupação que alaga em época de chuva. Se dependesse da Prefeitura do Recife, estaria no meio da rua. O auxílio-moradia não cumpre sequer sua função originária, e ainda gera uma despesa para quem sobrevive em vulnerabilidade permanente.
A expressão da diretora nacional da Habitat para a Humanidade Brasil, Socorro Leite, para definir a situação, aborda um dos lados do problema. A assinatura de incompetência, de tão duradoura, chama outras causas para o abandono dos desabrigados à própria sorte. É crueldade desumana, ausência de empatia e solidariedade, e ainda, grave distanciamento de senso de responsabilidade. O desinteresse público fica patente, quando os governantes não se importam com subcidadãos que habitam áreas de risco e se amontoam em becos e casebres, em ocupações que só são romantizadas por aqueles que vivem fora dela. Lá dentro, a condição de existência é degradante, sem o atendimento de direitos básicos de higiene, alimentação e saúde.
O razoável, para Socorro Leite, é que a distribuição do auxílio-moradia se justificasse por até dois anos, enquanto a construção da nova moradia estivesse em andamento. A troca de governos sem o fim da necessidade do auxílio é um demonstrativo das dificuldades governamentais em assumir o que precisa ser feito. E não são dificuldades financeiras, porque há recursos para parques caros na beira do rio em bairro nobre. Para atacar efetivamente o déficit habitacional estimado em 70 mil unidades residenciais, o Recife – e o governo do Estado – devem definir para quem o interesse público se dirige prioritariamente. Se os invisíveis seguirem invisíveis até que uma tragédia faça com que sejam vistos como vulneráveis, o puxadinho do descaso em forma de auxílio perene vai continuar no cotidiano dos recifenses.