Conselhão deve provar sua relevância para a democracia

A expectativa do presidente da República cai mal para o sistema democrático assentado nos Três Poderes, repletos de obrigações a cumprir

Cadastrado por

JC

Publicado em 05/05/2023 às 0:00

O Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS) foi recriado pelo governo Lula, com a participação de 246 representantes diversos da sociedade brasileira. Sua efetiva relevância ainda está para ser comprovada, bem como sua posição no arcabouço institucional da República, em que os Três Poderes aglutinam tanto as funções representativas quanto deliberativas de nossa configuração democrática. Sem substituir as responsabilidades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o chamado Conselhão surge, mais uma vez, desatrelado dos poderes e deveres que cabem às instituições.
O funcionamento por meio de grupos de trabalho para se debruçarem sobre questões de interesse público, de certa maneira, espelha as comissões encontradas em instâncias formais que existem com esse propósito. Os conselheiros, por sua vez, não fazem jus à remuneração, expondo seus pontos de vista e falando por seus setores sem contrapartidas pessoais financeiras. Trata-se, portanto, de um trabalho voluntário, do qual o presidente da República espera muito: “Nenhum governo, por mais competente, responsável e humanista que seja, é capaz de resolver sozinho os problemas de um país”, afirmou Lula. De fato, os governos democráticos são transitórios de poder limitado, e requerem todo apoio possível para oferecer soluções para os problemas coletivos.
A expectativa do chefe de Estado, no entanto, cai mal para o sistema democrático assentado nos Três Poderes, repletos de obrigações a cumprir – e remunerados para cumpri-las. Assim como deposita esperança no desempenho do Conselhão, o governo federal poderia buscar o aprimoramento da governança e do cumprimento das responsabilidades constitucionais cabíveis aos poderes instituídos. O Conselho tem a face de um poder paralelo, ainda que consultivo e não remunerado, para o qual se voltam atenções que seriam melhor dirigidas se focadas para os atores dos quais se espera, de fato, a resolução dos inúmeros problemas nacionais. Até porque o CDESS não possui, na realidade, qualquer atribuição de responsabilidade sobre nada.
Se o Conselho existisse sob o governo anterior – que o extinguiu – imagina-se a que tipo de objetivo poderia servir, no confronto gerado entre o Executivo e os demais poderes. Afastada essa preocupação numa gestão democrática, eleita sob a defesa dos pilares da democracia, o grupo formado pelo Planalto não deve, por vício de origem, se restringir a repetir a opinião presidencial. E se o Conselhão divergir do governo, qual o papel que lhe resta? O presidente aponta que aguarda sugestões para apoiar o trabalho de governar o país, dizendo que não espera nem alinhamento, nem queixas. Já seria um bom espaço de atuação. Falta definir melhor o escopo e o alcance dessa atuação.
O que significa integrar o Conselhão, para cada uma das personalidades que o compõem? Muitos nomes são de pessoas reconhecidas em sua área de atuação. Algumas poderiam ser ministras de Estado. Outra exercem grande poder midiático. Qual o resultado dessa mistura para a República e a democracia, além de verniz participativo para o governo que tem tantos desafios a enfrentar até o fim do mandato? Tomara que a relevância apareça, com clareza e consequência, muito antes disso.

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