A divulgação da alta de preços ao consumidor em recorte regional, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), vem realçar a dimensão da desigualdade brasileira no impacto da inflação sobre classes sociais diferentes. Esse impacto não é linear, portanto, para toda a sociedade, e embora já tenha sido muito maior no passado, sobretudo antes do Plano Real, o aumento de preços tem assustado a população, corroendo o poder aquisitivo e elevando o endividamento das famílias.
O destaque para a desigualdade nos reflexos da escalada inflacionária representa um desafio adicional para os governos que tomaram posse em janeiro, do federal aos estaduais, que precisam lidar com a difícil realidade da população, e apresentar soluções para dinamizar a economia, sem relegar o amparo social a segundo plano.
O Nordeste foi a região mais afetada pela inflação desde 2020, e é onde a diferença da alta para ricos e pobres mais se percebe. O que já se notava durante as restrições da pandemia, ganhou contornos mais claros. Para as pessoas de baixa renda, a inflação deixa a comida e a moradia mais caras, impactando diretamente a condição básica de vida. Para os mais ricos, os preços chamam a atenção no setor de serviços, sem causar grandes preocupações relativas à alimentação ou habitação.
Como é composta de nordestinos a maioria da população com rendimento até 1,5 salário mínimo no país, é aqui onde a angústia com a sobrevivência, com a ameaça inflacionária, se torna maior.
Para os pobres, os gastos com alimentação e moradia representam, em média, 60% da despesa mensal. Para quem recebe acima de 11,5 salários mínimos por mês, a conta é outra, e o impacto, muito menor, sobre esses dois tipos de gastos. Um quarto da despesa dos mais ricos é utilizado para o transporte próprio, por exemplo.
Na distribuição da inflação, as consequências da desigualdade são desumanas: entre janeiro de 2020 e março de 2023, os alimentos sofreram majoração de preços em mais de 43%, passando da média inflacionária. O óleo de soja subiu quase 120%, o arroz 80%, o açúcar cristal e a margarina, quase 60%, os ovos 56% e o pão francês, 46%. Para quem ganha pouco e não tem aumento de salário correspondente, uma refeição tranquila vira cada vez mais um luxo.
A estimativa para a inflação de 2023 é de 6,2%. A expectativa do coordenador dos índices de preços da FGV, André Braz, é que haja este ano uma descompressão inflacionária sobre os alimentos, e assim, seja aliviada a carga para os mais pobres, com a situação hídrica nacional estável e uma boa safra pela frente.
O problema é que os pobres no Brasil não contam com mecanismos de atenuação dos efeitos inflacionários, e terminam arcando com os piores impactos da alta de preços. As políticas compensatórias atualmente existentes não focam na proteção contra a inflação, expondo a maioria da população a uma corrosão econômica que incide sobre o cotidiano, e acarreta degradação rápida da qualidade de vida. Aprofunda-se a desigualdade, no país dos abismos sociais.