Instituições

A composição do STF e a democracia

É preciso que que o poder de discernimento não se turve diante do poder político casuístico

Cadastrado por

JC

Publicado em 06/06/2023 às 0:00

Se o papel de guardião da Constituição tem sido extrapolado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como apontam alguns juristas, avançando em funções de outros poderes da República, há um problema de origem que não pode permanecer de fora da pauta nacional. A composição do STF não obedece, há alguns anos, a isenção política necessária para a apreciação de conflitos conceituais na aplicação das leis. Com isso, aumentou no país a decisão monocrática, porque o individualismo impera na nossa mais alta corte. O colegiado de 11 ministros – a última instância do Judiciário – suscita a crítica de que são, na verdade, 11 supremos tribunais, um tribunal para cada cabeça, uma decisão para cada conveniência.
Em artigo publicado ontem no JC, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Fernando Lins, expressou uma preocupação que se alastra dentro e fora do meio jurídico. A escolha de cidadãos “de notável saber e reputação” para o cargo de juiz supremo é realizada pelo presidente da República, com aprovação do Senado. Esse modelo de composição tem sido bastante – e duramente – questionado em face das últimas indicações para o time de 11 personagens que acumulam imenso poder decisório sobre os destinos da nação, até que se aposentem compulsoriamente aos 75 anos de idade. Para o presidente da OAB-PE, entre as várias formas propostas no Congresso para mudar o acesso ao Supremo, “aquelas que melhor atendem ao desejo de mudança permitem a participação de todos os poderes” e de entidades de sustentação do Estado Democrático de Direito.
Fernando Lins cita a PEC 342, de 2009 – com quase 15 anos, portanto – pela qual o STF teria seus integrantes escolhidos não apenas pelo Executivo, mas também pelo Legislativo e Judiciário, a partir de listas tríplices enviadas por diversas instituições. Não só para que “o poder freie o poder”, nas palavras citadas de Montesquieu, mas para que poder de discernimento não se turve diante do poder político casuístico, que afronta não apenas a Justiça, mas também a própria democracia, ao corroer um de seus pilares: a estabilidade da confiança nas leis. A instabilidade jurídica que se tem visto no Brasil, nos últimos anos, deriva, dentre outros fatores, do uso político ao qual se tem dobrado o Supremo Tribunal Federal, pondo a democracia em equilíbrio tão delicado que se transformou em tema principal da campanha eleitoral no ano passado, suscetível a desastrosas radicalizações.
O cumprimento de um mandato, como acontece em alguns países, mesmo que seja um mandato acima de dez anos, deve ser algo a ser considerado no caso brasileiro. A composição oriunda da escolha de todos os poderes, a exemplo da Espanha, é uma maneira de buscar menor interferência política. O importante é que o assunto seja levado a sério o quanto antes, para evitar os duelos de claques que repetem as chamadas guerras de narrativas, e, pior, as consequências previsíveis – quase todas obscuras – da hipertrofia política da última instância do Poder Judiciário.

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