A rotina de sofrimento físico e psíquico de brasileiras agredidas por seus companheiros é uma realidade aviltante que desafia o poder público e a sociedade. Em diversos casos, por não ter para onde ir, a vítima se conforma em voltar para casa e para a companhia do agressor, expondo-se a mais riscos e até à possibilidade de feminicídio, que se consuma, na maior parte das ocorrências, após um histórico de convivência violenta. É como se as mulheres tivessem no relacionamento uma espécie cruel de cárcere, consolidado pela desilusão e fruto da perpetuação de uma cultura machista que foi fortalecida pela impunidade.
Com iniciativas semelhantes em alguns municípios do país, acaba de entrar em vigor uma lei federal que concede auxílio-moradia para as vítimas de violência doméstica durante seis meses. Trata-se de um avanço institucional importante, que reconhece a vulnerabilidade diante da violência, e oferece uma porta de saída para situações de opressão. Para se ter uma dimensão do problema, há abrigos específicos para as mulheres agredidas pelos companheiros, em pelo menos 134 cidades espalhadas pelo território nacional, segundo o Ministério das Mulheres. Embora representa uma parcela pequena para o tamanho do país, o número expressa a condição de desamparo a que ficam submetidas as vítimas, em flagrante necessidade de apoio.
A legislação federal não estabelece o valor, que deve ser definido pela Justiça, e pago por prefeituras e governos estaduais. Em Belo Horizonte, onde já existe o instrumento, em média 80 mulheres recebem R$ 500 por mês a título de auxílio, por esse motivo. Em Mato Grosso, o valor chega a R$ 600. A demanda deve ser alta em todo o país, e exigir do poder público o merecido recorte orçamentário, dentro do previsto para assistência social dirigida a indivíduos em vulnerabilidade temporária: somente no ano passado, foram anotadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mais de 245 mil agressões domésticas contra as mulheres, além de 1.400 feminicídios. O caráter preventivo da lei é de se destacar, em prol da viabilidade de segurança e a busca de tranquilidade para as vítimas.
A nova lei chega com o propósito de atuar na atenuação de riscos inerentes a relacionamentos abusivos. Segundo estudo divulgado em março pela Rede de Observatórios da Segurança, a cada quatro horas uma mulher sofreu violência, no ano passado, nos sete estados pesquisados – entre os quais, Pernambuco, segundo estado mais violento para as mulheres no Nordeste, atrás apenas da Bahia. Apenas no primeiro semestre de 2023, foram 25 mil casos de pernambucanas agredidas no ambiente doméstico, por companheiros ou familiares, em crescimento de 25% em relação ao ano passado. Um projeto voltado para a promoção do respeito às mulheres foi lançado pelo governo estadual, na nova gestão – que pode aproveitar a nova legislação para intensificar a estratégia no sentido da necessária proteção. Assim como as prefeituras não podem ficar de fora, no esforço coletivo de garantia da segurança à população feminina.