Em ação legítima de representação coletiva, o Senado visa restringir o viés nada democrático das decisões individuais monocráticas no Supremo Tribunal Federal (STF). A tensão institucional alardeada como intromissão de um poder sobre o outro na República, pode ser rapidamente desfeita com um pouco de autocrítica da Suprema Corte, na direção da compreensão de seu papel constitucional, que não se confunde com a rotina de decisões isoladas afastadas do colegiado.
A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) reduzindo os arroubos monocráticos não vem do nada. Já faz alguns anos que a corte máxima brasileira usa e abusa desse tipo de decisão, impondo sérias consequências ao país e ameaçando a segurança jurídica pela qual os tribunais, de modo geral, deviam zelar. Segundo a PEC, a suspensão de atos dos demais poderes – Executivo e Legislativo – não poderão mais ocorrer por decisão de apenas um juiz do STF, mas fica a possibilidade para o colegiado. A quantidade de pedidos de vista por um dos membros também não deve ser ilimitada, postergando processos ao sabor da vontade ou interesse pessoal. O anteparo trazido pelo Senado atende ao bom senso. O poder exercido pelo Supremo continua respeitado, mas como toda instituição democrática, há limites a serem observados.
Crítico das decisões monocráticas do STF, o jurista José Paulo Cavalcanti Filho sustenta que o Supremo precisa deixar de ser 11, para decidir em conjunto, como na maioria dos países do mundo. Em artigo publicado no JC em agosto, escreveu: “O Supremo se autoconferiu um papel que não está, nem nunca esteve, em nenhuma de nossas Constituições desde o início da República o de ser uma espécie de Poder Moderador do país. Reproduzindo aquele exercido, nos tempos do Império, por Dom Pedro II. Um poder absoluto e sem nenhum limite nem nas leis ordinárias, nem na Constituição, nem na consciência dos cidadãos”, avalia. “Por isso, já faz tempo, nem respeita mais o artigo 2º dessa Constituição que dispõe devam ser poderes "independentes e harmônicos o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". E assim, sem maiores preocupações, julga, legisla e executa (administra o país)”.
De fato, de tão utilizado no Brasil, o recurso à decisão individual foi normalizado como rotina no Supremo. O que não inspira segurança jurídica, nem responde aos preceitos da democracia, fazendo com que consensos lentamente construídos pelos demais poderes, por exemplo, sejam desfeitos por um único ministro do STF. Esse traço de totalitarismo judiciário, que pode servir a diversos propósitos pouco republicanos, não tem nos levado a bom caminho, promovendo mais controvérsias e polêmicas do que decisões maturadas. Resta esperar que a argumentação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não se perca nas articulações casuísticas e na arenga de sempre por espaços de poder. O “aprimoramento da Constituição para garantir que os poderes funcionem bem” deveria ser algo buscado também pelo Judiciário, antes de se ver a restrição das decisões monocráticas do Supremo como afronta à essência de suas funções.