O rombo de mais de R$ 230 bilhões nas contas do governo federal significou mais que o dobro do prometido pelo ministro Fernando Haddad para o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula. Mesmo representando uma meta distante do almejado – o déficit zero – o resultado negativo em R$ 100 bilhões seria considerado um avanço pela equipe econômica. Mas o passo não foi dado, segundo o ministro, por causa do pagamento dos precatórios, as dívidas já julgadas que não foram honradas no governo anterior – num montante de quase R$ 100 bilhões. Além disso, houve repasses financeiros para os estados e municípios, em compensação à perda de receita do ICMS. Para Haddad, os números de uma realidade tão longe da expectativa difundida por ele mesmo não alteram a disposição, nem os planos, de atingimento do déficit zero em 2024.
Vale dizer que esse resultado é o déficit primário, e não considera os juros da dívida pública, que se eleva a cada novo ano de rombo e acumulou, somente em 2020, por causa da pandemia, mais de R$ 743 bilhões de saldo negativo. Então estamos vendo, na prática, o reflexo do primeiro ano da gestão Lula, sob a condução de Haddad na economia. Por mais que o ministro repudie o espanto e tente dourar a pílula, o desequilíbrio orçamentário do ano passado desacredita, em certa medida, o discurso mantido até aqui a respeito da necessidade apregoada do déficit zero nas contas, depois da revogação do teto de gastos como regra e da má vontade explícita do presidente da República com o déficit zero, registrada em encontro com a imprensa. Na ótica de Lula, governo bom é governo que gasta – de preferência, em grandes obras dignas dos refletores de espetaculosos anúncios. Infelizmente, a realidade costuma jogar as promessas de obras e metas, no Brasil, para longe das datas previstas de conclusão. E quase nunca gastar quer dizer gastar bem. Muitas vezes por falta de recursos, apesar da garantia nos anúncios e placas. Outras vezes, por má gestão e desvio de recursos mesmo, em diversos casos apontados pelos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU).
O rombo foi quase no limite previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabeleceu até R$ 231 bilhões no negativo para 2023. Um “legado tenebroso nas contas públicas” foi evitado, segundo o ministro da Fazenda, com o pagamento dos precatórios. Um legado tenebroso o país já tem, e os especialistas afirmam que nem o déficit zero por anos seguidos traria o equilíbrio fiscal, sendo preciso o superávit durante um período razoável, em face do tamanho da dívida pública brasileira – que chegou a R$ 6,5 trilhões ao final do ano passado. O equilíbrio das contas públicas no Brasil, portanto, tem um longo caminho pela frente, que precisa ser encarado, sim, diante de outra dívida histórica – a dívida social que só aumenta, com grande parcela da população abaixo da linha da pobreza, e a maioria em péssima qualidade de vida.