No trajeto da linguagem humana, depois de aprender a falar para se expressar através da ligação de sons e palavras, o indivíduo tem na alfabetização o início da base para a formação: além de ser instrumento primordial para a aquisição do conhecimento, as letras desenhadas que conectam sentidos ao mundo configuram o passaporte para a consciência de direitos, o aproveitamento de potenciais e a descoberta de outras perspectivas, formuladas por outras pessoas. Por isso, a alfabetização é considerada o princípio da conquista da plena cidadania. Sem o seu devido cumprimento, a cidadania se mostra incompleta, e as oportunidades perdidas deixam lacunas para a vida inteira.
Desta forma, quando a fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) constata que 85% dos municípios têm baixo desempenho no Índice de Compromisso com a Alfabetização, isso significa que o poder público local e seus gestores, especialmente os prefeitos e prefeitas, exibem descompromisso com a cidadania. Daí por diante, os problemas que vemos há décadas em um estado pobre, de economia deprimida e população sufocada por índices degradantes, mesmo para os padrões nacionais e no Nordeste, tendem a ser repetir por gerações, e até a piorar, porque não se cuida da base para a formação digna dos cidadãos e cidadãs.
O índice criado pelo TCE para verificar a execução das políticas públicas para a alfabetização no 1º e 2º anos do ensino fundamental, para crianças de 6 e 7 anos de idade, é resultante da avaliação em cinco eixos: legislação, parcerias, formação de alfabetizadores, material de apoio e monitoramento da aprendizagem, como o JC mostrou em reportagem no domingo. A ineficiência dos municípios para cuidar de sua responsabilidade na educação chamou a atenção do TCE. Para a Gerente de Fiscalização da Educação do Tribunal, Nazli Neça Nejaim, é de se notar como o volume de recursos investidos na área não se refletem no compromisso dos gestores.
Com informações fornecidas pelos 184 municípios pernambucanos, a nota média no estado, levando-se em conta o atendimento aos eixos definidos, foi um vergonhoso 3,9, com 156 municípios em situação avaliada como crítica, com nota abaixo de 3,9. Apenas sete municípios, entre os quais o Recife, foram enquadrados em nível desejável, com notas de 9 a 10. Entre as informações descortinadas, o relatório mostra que apenas um terço dos municípios apresentam normas para a alfabetização, e um percentual pífio de 18% possui formação continuada para professores alfabetizadores. Em relação ao material complementar, são 40% os que utilizam, e apenas 19% acompanham o desenvolvimento das crianças no processo de alfabetização.
O objetivo do TCE não é punir os gestores, mas criar condições para que soluções venham a ser agilizadas e as crianças possam aprender a ler e escrever bem, na idade certa, até o 3º ano do fundamental. Nesse item, o percentual das crianças pernambucanas, para variar, é baixo, com 27% de atendimento nas escolas da rede pública.