CIDADES-IRMÃS

"E tome gente catando comida"

Poesia de Miró lembra a realidade no Recife, que junto com Olinda, daqui a pouco mais de uma década, terá cinco séculos de história para contar

Cadastrado por

JC

Publicado em 12/03/2024 às 0:00
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Os habitantes de uma e de outra compartilham o legado de formação de um país, no presente de contradições e desafios que vêm de longe. E miram juntos o horizonte que divisa o marco de 500 anos, não tão distante: faltam apenas 11 anos para uma, e 13 para a outra. Neste 12 de março, são comemorados 489 anos de Olinda, e 487, do Recife. A data festiva não despensa os rituais da alegria, exaltando o orgulho de quem nasceu ou criou raízes por aqui, e levantando a admiração de outros brasileiros espalhados pelo mundo. O aniversário de uma cidade remete à memória ancestral, às demandas de hoje e ao planejamento para amanhã, pois é do destino coletivo que se trata, quando os parabéns não podem ser compartilhados por todos os cidadãos. No aniversário de duas cidades, a reflexão é a mesma, com a dupla responsabilidade para os gestores públicos e o mesmo desejo das populações.
A beleza natural e histórica que une olindenses e recifenses apresenta o auge da divulgação, a cada ano, pouco antes do aniversário, no canto e na dança das multidões no Carnaval. Moradores e turistas enchem as ruas, as ladeiras, as beiras de rios e do mar, do Marco Zero ao Alto da Sé, aproveitando para contemplar a paisagem urbana enquanto o coração acelera no passo do frevo ou do maracatu. A data simbólica do 12 de março é propícia para que tudo seja visto, além da festa e do sentimento de identidade que se transmite de geração a geração.
Poeta homenageado nestes 487 anos do Recife, Miró da Muribeca, que ganha estátua no Circuito da Poesia, recordaria: “E tome gente catando comida no lixo”, como diz em um de seus versos. No artigo “Um periférico no centro: Uma leitura da cidade do Recife na obra de Miró”, de Mariana de Matos Moreira Barbosa, para a revista Encontros de Vista, do curso de Letras da UFRPE, publicado em 2017, a autora elege o poeta como guia da capital pernambucana. Para ela, Miró “nos convida a cruzar pontes, observando os carros que as cruzam e os indivíduos que nos arredores moram” e “a perceber o contraste entre a beleza geográfica da cidade e a correnteza que empurra a população de baixa renda para longe da paisagem postal”.
A realidade aviltante dos excluídos e da maré cheia de injustiças e indignidades que perduram, precisa ser posta em primeiro plano, junto à comemoração. A priorização dos pobres continua distante das escolhas dos governantes – e isso não é culpa de um, mas engloba a imensa maioria dos gestores nesses quase 5 séculos. Além disso, falta articulação para o enfrentamento de problemas crônicos e críticos, que não se limitam ao núcleo afetivo delimitado por Recife e Olinda, mas se expandem a toda a Região Metropolitana. Enquanto questões como a miséria, a habitação e o transporte não forem abordados como de todos – porque são – as soluções isoladas irão continuar se mostrando parciais e ineficazes.

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