O corte de quase R$ 26 bilhões nas contas públicas, anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não é visto como solução para o equilíbrio fiscal de um governo pouco afeito ao controle orçamentário – historicamente, basta ver os mandatos anteriores do PT no Planalto. Mas já é alguma coisa, num ambiente de incerteza e quase instabilidade, turbinada pelas diatribes do presidente Lula, cada vez mais à vontade para criticar qualquer tipo de prudência na gestão da economia. Uma boa notícia, apesar de tudo. Haddad cumpre a função de um antidoto a Lula no governo, e diz o que o presidente deveria dizer, mas não consegue. O ministro de fala mansa, em contraste evidente ao líder petista, apazigua o mercado, a Bolsa e os demais poderes, quando aparece pródigo em sensatez, para apagar o fogo verbal da presidência.
Serão revistos os gastos sociais em políticas compensatórias que não podem deixar de existir, mas que podem escapar dos critérios definidores de sua necessidade. Infelizmente, não há sinal – nem haverá, sob Lula – de uma tesourada significativa na estrutura administrativa, composta de quase 40 ministérios e seus penduricalhos de cargos para o PT e os partidos da base aliada, incluindo o Centrão. O desinteresse do governo federal em fazer uma reforma administrativa, que deveria ter acontecido no início do mandato, é exemplar das dificuldades para se manter na direção do equilíbrio fiscal, sobretudo com um presidente que não se cansa de dizer que governo bom é aquele que gasta – e gasta mal, se levarmos em análise a lista de obras inacabadas de gestões anteriores, os desvios e superfaturamentos ao longo do percurso das despesas públicas no país.
Ao sustentar, sob a pressão do dólar e do peso de suas próprias declarações, que a responsabilidade fiscal é compromisso, e não, palavra, Lula também pegou carona no momento de celebração dos 30 anos do Plano Real, quando a estabilização da moeda fez nascer um Brasil melhor, especialmente para os governos que vieram depois. A estabilidade econômica também depende da responsabilidade fiscal, que só faz sentido pelo cumprimento de regras e políticas pautadas pelo equilíbrio – como o nível de juros, definido pelo Banco Central, cujo dirigente é seguidamente criticado por Lula por fazer o que considera ser o seu dever. Se a responsabilidade é compromisso, é preciso fazer menos proselitismo em relação aos juros, e debater isso em um horizonte mais longo, que ultrapasse as próximas eleições.
Para respeitar o arcabouço fiscal de Haddad, o governo federal poderá ter que enfrentar a impopularidade dos contingenciamentos e bloqueios, para não estourar o limite do endividamento e do déficit. A cruzada do ministro pela vigência do arcabouço e da responsabilidade ganha o respaldo do presidente da República em momentos de iminência de crise. Resta ver até quando o contraponto em que se transformou Haddad para Lula, será capaz de segurar o ímpeto gastador do governo, na prática, com a popularidade em risco às vésperas de estações de votos.