Apesar da pandemia coronavírus pedir que se limite os contatos sociais para evitar a contaminação, a vida parece seguir igual nas periferias do Grande Recife. Até esta sexta-feira (20), ainda era comum encontrar pessoas em praças e parques - jogando, bebendo, conversando ou apenas descansando. Em pronunciamento nessa quinta-feira (19), o governador Paulo Câmara pediu para que os pernambucanos permaneçam em casa o máximo possível.
Embaixo do Viaduto de Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, ponto de encontro de quem mora na região, a população não deixou de se reunir. Alguns tampouco pretendem. “Não tenho medo. Em momento nenhum vou deixar de sair de casa”, afirmou Ednaldo Ferreira, 42. “Quase todo dia a gente vem pra cá. Tenho vivido normalmente, e aqui não deixa de ter tumulto de pessoas, sempre continua normal”, falou.
Mesmo com diabetes - condição que o coloca no grupo de risco para a doença covid-19, o vendedor autônomo Carlos Antônio Costa, 50, continua frequentando o espaço. "Eu trabalho dia sim, dia não, mas com essa doença que está assolando meu patrão está mandando eu ir para casa. Aí fico vindo para a praça, conversando com meus amigos, distraindo", disse. "Me preocupo, mas vou fazer o quê? Ficar em casa, é?", pontuou.
Em Areias, na Zona Oeste do Recife, cerca de dez homens seguem indo diariamente à Praça Eduardo Cardoso para jogar baralho e damas. Entre eles, há quem reconheça a seriedade da situação e ainda adote alguma medida de prevenção.
“Eu não levo a mão à boca e aos olhos. Em casa, lavo a mão e pronto. Mas por enquanto não mudou nada na rotina, não. Todo dia a gente está aqui. Quando aparecer um suspeito na área, a gente vai ficar receoso”, disse o agente administrativo Paulo Tavares, de 57 anos.
No entanto, há também quem não tem planos de adaptar o estilo de vida. "Estou indo para todo canto, vou até para praia esta semana. Nem o presidente para me fazer ficar dentro de casa", admitiu Gutemberg de Souza, 57. “Um dia sei que vou embora desse mundo. Não vou ter medo do coronavírus, não. Se tiver que morrer, morre. Quando chega o dia, não escapa, não", justificou.
Simone Damiana, 33, mora em frente à Praça do Sena, no mesmo bairro, e relatou que o movimento continua grande por lá. "Criança, adolescente, adulto e idoso, tudo na praça. Não parou. Lotado de gente. Tanto nessa quanto nas outras", revelou. Apesar de estar mais atenta, os filhos ainda brincam no fim da tarde. "Deixo saírem um minutinho. Estou trancando mais porque o pai deles não quer eles na rua. Depois dessas coisas estou preservando mais", contou.
A situação preocupa o infectologista Paulo Sérgio Ramos. “A despeito de todos os chamamentos públicos e das mídias, as pessoas continuam ignorando a necessidade de reduzir ao máximo os contatos sociais em ambientes públicos”, ponderou.
O médico defendeu que reduzir a exposição é a única maneira de diminuir o número de casos graves. “Isso poderá a levar ao colapso nos serviços de saúde e, consequentemente, a muitas mortes”, frisou.
Para Aurino Ferreira, psicólogo do Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis (Neimfa) da comunidade do Coque, na área central do Recife, a aparente falta de conscientização na periferia mostra que as políticas públicas ainda não estão pensando neste público. “Temos a sensação, inclusive do ponto de vista preventivo, de que não temos ações postas. Porque as pessoas ainda estão funcionando e operando como se não houvesse de fato uma transmissão comunitária”, colocou.
“Isso vai criar um número de pessoas infectadas muito alto. É uma preocupação nossa porque vai haver um extermínio das periferias”, alertou.
O psicólogo pontuou que faltam ações das mais simples, como a regularização da distribuição de água. “A coisa mais básica, que é lavar as mãos, não tem. Sem isso você já cria uma marca imensa de transmissão”, declarou. Ferreira cobra, também, medidas mais diretas. “Uma mobilização em termos de informação direta, uma conscientização, à população, como passar carros de som, coisa desses tipos que possam alertar a informação da real situação”, exemplificou.
A falta de emprego regular também é outro gargalo, avaliou o profissional. “Na maioria das periferias, a pessoa está com o trabalho informal. Isso vai ser outro agravante. É preciso ter essas políticas de implantação de renda alternativa, de apoio governamental”, analisou.
Fretista autônomo, Marcos Aurélio de Oliveira, 27, tem trabalhado todos os dias. Ele se preocupa com como vai ficar sua situação financeira a partir deste sábado (21), quando passam a valer as novas proibições do Governo estadual para o funcionamento de estabelecimentos comerciais. "Vai ficar complicado, porque a gente trabalha pela diária, vai ficar sem uma renda. Quem trabalha em empresa já fica mais fácil, porque tem garantia, benefício. Mas para quem é autônomo vai complicar. Pesa no bolso".
Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China.Os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela primeira vez em 1937. No entanto, foi em 1965 que o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência do perfil na microscopia, parecendo uma coroa.
A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas a se infectarem com o tipo mais comum do vírus. Os coronavírus mais comuns que infectam humanos são o alpha coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1.
O Ministério da Saúde orienta cuidados básicos para reduzir o risco geral de contrair ou transmitir infecções respiratórias agudas, incluindo o coronavírus. Entre as medidas estão:
Para a realização de procedimentos que gerem aerossolização de secreções respiratórias como intubação, aspiração de vias aéreas ou indução de escarro, deverá ser utilizado precaução por aerossóis, com uso de máscara N95.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse na quarta-feira (11) que a epidemia de Covid-19, que infectou mais de 110.000 pessoas em todo mundo desde o final de dezembro, pode ser considerada uma "pandemia", mas que pode ser "controlada".
"Estamos profundamente preocupados com os níveis alarmantes de propagação e de gravidade, bem como com os níveis alarmantes de inação" no mundo, declarou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em entrevista coletiva em Genebra.
"Consideramos, então, que a Covid-19 pode ser caracterizada como uma pandemia", afirmou.