Mais do que nunca, todo cuidado é pouco. A decisão do Ministério da Saúde de incluir todas as grávidas no grupo de risco de contaminação do novo coronavírus era só uma questão de tempo. Na última sexta-feira veio o anúncio oficial. O isolamento social, já recomendado pelos médicos, agora ganha mais urgência. A ordem é expressa: gestantes, fiquem em casa. É natural, pela própria condição, que as mulheres grávidas se vejam diante de um dilema: ficar reclusa para proteger o filho e abrir mão de consultas e exames ou sair para fazer um ultrassom, correndo o risco de se contaminar? Escolha difícil, principalmente quando se carrega outra vida na barriga.
Mas, em tempos de pandemia, os médicos alertam que é preciso tomar outros cuidados, deixar convenções sociais de lado e evitar, ao máximo, o risco de contaminação. E isso não significa abandonar o pré-natal e colocar a saúde do bebê em risco. Pelo contrário. Na esteira das mudanças trazidas pelo coronavírus se criou também uma rede solidária de serviços, aplicativos e atendimento que prestam assistência médica e apoio emocional. Tudo para que a gestante se sinta mais protegida e segura. Sem sair de casa. Ou saindo apenas o estritamente necessário.
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No dia 3 deste mês, o Ministério da Saúde já havia publicado, em seu boletim epidemiológico, a inclusão de gestantes de alto risco e de puérperas como grupo de risco da covid-19. A ampliação da classificação para todas as grávidas veio na esteira do registro de mortes de gestantes no País, algumas delas com histórico de vida saudável e sem doenças preexistentes. Em Pernambuco, o caso da fisioterapeuta, grávida de oito meses, que faleceu, no último domingo, vítima do coronavírus, após dar à luz o bebê, espalhou medo entre as gestantes.
“Foi um susto muito grande. Muitas grávidas ficaram em pânico. Porque mexeu com a margem de segurança que a gente achava ter, já que ela era saudável, fazia exercícios. Estamos todos assustados. Não só, nós, as grávidas. Mas também nossas famílias, que não podem sequer estar junto fisicamente”, conta a personal trainer Mell Correia, 33, com quase seis meses de gravidez. Ela diz que, apesar da pressão, tem tentado manter-se calma, evitando acompanhar o noticiário e fazendo exercícios de respiração e relaxamento. “Não fico contando mortos. Tento manter o equilíbrio para passar energia positiva ao bebê”, diz.
Além de cuidar da mente, ela tomou uma decisão que tem sido a mais recomendada pelos médicos para a proteção da mãe e do bebê: esticar o intervalo das consultas do pré-natal e fazer apenas os exames essenciais. “Antes, eu estava com consulta todo mês. Agora, adiei a próxima por mais 15 dias e só vou voltar ao posto de saúde no fim do mês”, explica Mell.
A atitude está na cartilha defendida por todos os obstetras. “Como o pré-natal é necessário para as grávidas, ele deve continuar sendo realizado, mas de uma forma mais espassada. O ultrassom só deve ser feito em último caso, com extrema indicação do profissional que está acompanhando a paciente. A função social da ultrassonografia, como descobrir o sexo do bebê, por exemplo, deve ser esquecida nesse momento. A questão é objetiva: o risco de sair de casa é muito maior do que o benefício de fazer o teste que não seja uma exigência médica. O mesmo vale para exames laboratoriais. Se der para esperar, se não tiver intercorrência, fica em casa”, orienta o médico obstetra Carlos Reinaldo Marques e professor de atenção primária à saúde e obstetrícia da Universidade de Pernambuco (UPE).
As exceções, claro, são para as situações em que a gestação exige maiores cuidados. “Se a grávida possui diabetes gestacional, se o bebê não está crescendo adequadamente, há suspeita de uma gravidez fora do útero, sangramento ou ameaça de abortamento, essas pacientes têm indicação de sair de casa. Mas sempre com orientação médica, tomando os devidos cuidados de higienização. É importante lembrar o alerta dos epidemiologistas de que essas próximas duas a três semanas serão as de maior risco de contágio para a nossa população”, reforça o médico Reinaldo Marques.
A estudante Maria Eduarda Aguiar está nessa condição. Com 22 semanas de gravidez, ela possui diabetes gestacional, o que a obriga a fazer o exame de ultrassom a cada 15 dias. “Eu não tenho opção. Tenho que acompanhar o peso do bebê, ver se há alteração de hormônios, tudo é mais delicado. A morte da fisioterapeuta mexeu muito comigo. Estou fazendo psicoterapia por telefone, o que está me ajudando a controlar a ansiedade e me deixar mais tranquila”, conta a jovem, de 27 anos e mãe de primeira viagem.
As dúvidas e incertezas ganham uma dimensão maior para as gestantes, pela condição natural de vulnerabilidade emocional imposta pela gestação. “A questão emocional é muito forte. Elas não sabem se essa quarentena vai durar toda a gestação, o quanto esse isolamento pode prejudicar a evolução do bebê. Tudo isso só aumenta a ansiedade. E quando chega o pós-parto, a situação é ainda mais difícil, porque a rede de apoio está muito comprometida: a mãe idosa é do grupo de risco, a tia que vinha para cuidar do bebê e não vem mais, porque é fator de risco. Essa rede se desfaz completamente”, explica a doula Luiza Falcão, que faz parte do grupo Flor da Vida Coletivo de Doulas.
Ela reafirma a importância de não abandonar o pré-natal e orienta as grávidas a procurarem grupos de apoio, formados por doulas, enfermeiras, para que a gestante receba as orientações necessárias e informação de qualidade. “Existem vários grupos gratuitos na internet, no WhatsApp, no Facebook, com profissionais que se juntaram para dar uma assistência médica e psicológica às gestantes em meio à pandemia. Esse cuidado tem sido fundamental. A gente está tendo um cuidado muito grande com elas, mas preocupa a possibilidade de surgimento de mais casos de depressão pós-parto. Porque cada uma está na sua bolha”, afirma Luiza Falcão.
Foi justamente para furar essa bolha e oferecer assistência com profissionais qualificados e, principalmente, experientes que nasceu no Recife o @falecomaparteira, um coletivo de enfermeiras obstetras que tem feito a diferença na vida de grávidas não só de Pernambuco. As profissionais ficam de plantão 24 horas e dão assistência às gestantes, sobre dúvidas de saúde, sangramento, contração, ameaça de abortamento e todas as intercorrências que podem surgir durante a gravidez. Criado no dia 22 de março, o serviço foi um sucesso de imediato. Nas primeiras 24 horas, foram 97 atendimentos. Hoje já somam mais de mil acompanhamentos.
“É uma resposta rápida e personalizada na hora em que a grávida está mais precisando. São dúvidas de toda a natureza. O mais importante é dar segurança a ela e ao bebê e, dessa forma, evitar que elas se exponham, saindo de casa, sem necessidade”, explica a enfermeira obstetra Tatianne Frank, idealizadora do serviço. Ela se juntou a outras oito profissionais da área para dar início ao atendimento. Com a demanda crescente, as profissionais também se multiplicaram. Hoje, só em Pernambuco, são 48 enfermeiras no coletivo. E o @falecomaparteira já treinou profissionais da Bahia, Sergipe, Alagoas, Amazonas e Paraná. O recado, importantíssimo nessa hora, é carregado de afeto, para todas as grávidas: apesar do isolamento social, elas não estão sozinhas.