Se proteção é uma das armas contra o novo coronavírus, como fazer com aqueles que não podem se defender sozinhos? Este é um dos desafios de vir ao mundo em meio à uma pandemia: de tão pequenos, os recém-nascidos não podem utilizar máscaras, lavar as mãos e, muitas vezes, nem se manter totalmente em isolamento social, já que precisam se deslocar para consultas médicas. É neste cenário que atuam os face shields, ou "escudos faciais" em tradução livre. No Recife, duas iniciativas começaram a produzir e doar os equipamentos a bebês, adicionando o elemento solidariedade na luta contra a doença.
A fonoaudióloga Gabriella Pacheco teve a ideia de construir os escudos faciais quando viu uma notícia de que o equipamento estava sendo utilizado em um hospital da Tailândia. Como trabalha no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no bairro da Encruzilhada, na Zona Norte do Recife, maternidade que dá assistência a gestações e partos de alto risco, Gabriella pensou em fornecer este tipo de proteção aos bebês. Segundo ela, na unidade, muitos nascem prematuros, com baixo peso e até com problemas respiratórios relacionados à prematuridade, por isto a necessidade de cuidado redobrado com os pequenos.
"Fiquei com esta notícia da Tailândia na cabeça. Como meu esposo é engenheiro mecatrônico, ele tem muitas ferramentas e pensei que seria legal produzir estes escudos. Minha tia é dona de um atelier de costura e também poderia me ajudar. Conversei com a equipe do hospital e todos receberam bem a ideia", explica. A fonoaudióloga conta que pesquisou na internet se já havia face shields para vender, porém não encontrou locais que comercializassem do tamanho dos recém-nascidos. Ela, então, fez o primeiro protótipo e, junto com os parentes, aprimorou o modelo, que é composto basicamente de espuma, acetato e pano.
Até o momento, Gabriella diz que já produziu e doou dez escudos faciais e, sabendo da iniciativa, profissionais do Hospital Agamenon Magalhães, em Casa Amarela, e do Maria Lucinda, no Parnamirim, também requisitaram os materiais. "Está um sucesso, as mães estão amando. O escudo é uma forma de proteger o bebê, inclusive no momento da alta, para as pessoas não ficarem beijando o rosto e tendo contato com eles. Não temos nenhum interesse comercial, não vamos vender os escudos. A gente só quer ajudar nossos bebês", relata a fonoaudióloga.
A técnica de enfermagem Gisele Gomes, de 21 anos, teve o pequeno Iago há um pouco mais de dois meses, no Cisam. Para ela, ter o face shield é sinônimo de proteção. "Traz uma segurança maior, tanto para mim, quanto para ele. Deixa ele bem protegido e é confortável também. Ele não reclamou, não ficou incomodado". Gisele afirma que, devido à pandemia do novo coronavírus, está em casa e só saiu uma vez para levá-lo à consulta médica. "Não entra nem sai ninguém. Estamos com todo cuidado. Quando saímos, usei o escudo e me senti mais tranquila".
O médico neonatologista José Henrique Moura, em parceria com o grupo Cuidar de Quem Cuida da Gente, também tem iniciativa parecida com a de Gabriella, para construir face shields para recém-nascidos. O médico explica que não há pesquisas científicas atualmente que tratem sobre o uso do equipamento em bebês. "Tudo sobre a covid-19 é muito novo. Este assunto não foi estudado cientificamente, não tem publicações ainda, que é o conhecimento ideal. Mas, neste caso, fazemos uso da opinião de especialistas e do bom senso, que diz que os bebês podem usar os escudos quando são expostos, quando saem do ambiente normal, que é a casa", diz.
Como ainda não há estudos, também não tem um modelo estudado, mas José Henrique alerta sobre alguns cuidados necessários. "Tem que adequar bem à cabeça do recém-nascido, de forma que não faça ferimento e a parte do acetato não pode ser cortante, as bordas têm que ser aparadas. É ter cuidado da não compressão da cabeça, de não arranhar. A mãe pode fazer uso de um gorrinho protetor para a parte elástica não ficar em contato direto com o bebê", acrescenta o médico.
O neonatologista alerta para a importância de retirar o objeto, evitando que ele passe mais de três horas em contato com o recém-nascido. Outro cuidado importante é fazer a higienização do escudo, que pode ser lavado com água e sabão após o uso.
"Isto tudo sem esquecer que a maior proteção de todas é o bebê ficar em casa. Ele não tem que sair de casa, apenas nas situações extremamente necessárias, como consultas médicas e exames. Neste momento, pode fazer uso do face shield para minimizar a exposição", comenta. Juntamente com o grupo de voluntários Cuidar de Quem Cuida da Gente, que confeccionam protetores faciais 3D para doar a profissionais de saúde, o médico construiu os escudos faciais para bebês, que ainda estão na etapa inicial de produção.
"Estamos começando a fazer. A meu pedido, eles começaram a construir esses escudos e vamos começar a distribuir", comenta. A iniciativa desenvolveu uma vaquinha online para quem se interessar em fazer doação em dinheiro, que será utilizada para comprar materiais como filamentos 3D, chapas de acetato, elásticos e a energia elétrica para a utilização de impressora 3D.
A empresária Rebeca Duque, de 33 anos, foi uma das mães que recebeu o escudo facial. A pequena Marina nasceu há menos de um mês em um hospital particular do Recife. "Eu acho ótimo, porque os recém-nascidos não têm condições de usar máscara. É uma ótima proteção para ela, caso precise fazer algum deslocamento. Eu ainda não precisei sair com ela, mas coloquei em casa, para testar, e ela ficou super de bem, foi bem tranquilo", conta.