Mesmo com lockdown, periferia estará sempre nas ruas

Estado e In Loco, que faz o mapeamento do isolamento social em Pernambuco, ressaltam que redução do índice de respeito ao lockdown na segunda-feira (18/5) era esperado para um dia útil
Roberta Soares
Roberta Soares
Publicado em 19/05/2020 às 21:07
Presença de pessoas nas ruas nos subúrbios vai sempre acontecer porque a periferia precisa estar e sair à rua com mais frequência do que a classe média Foto: JAILTON JR./JC IMAGEM


A periferia será sempre o contraste do lockdown adotado nas cidades e estados. Pelo menos no Brasil. Em geral, moradores do subúrbio e de áreas mais periféricas dos municípios vão estar constantemente mais nas ruas do que aqueles que residem em bairros mais centrais e de classe média. Por isso, para quem monitora os índices do isolamento social - rígido ou não -, não é surpresa constatar aglomerações nas periferias e verificar a redução do percentual de cumprimento do lockdown nos dias úteis, como aconteceu na Região Metropolitana do Recife.

"A taxa de isolamento da segunda (18) foi 9% maior do que a verificada na segunda (11) nessas cinco cidades. Mas voltamos a insistir. A Operação Quarentena é complexa e tem na fiscalização pela força policial apenas 10% do seu poder. Os 90% restantes dependem da conscientização da população " - Antônio de Pádua, secretário de Defesa Social de Pernambuco

Depois de comemorar a primeira colocação entre os Estados e as capitais que mais respeitaram as regras do isolamento social rígido no País, Pernambuco, o Recife e as quatro cidades metropolitanas incluídas desde o sábado 16/5 no lockdown (Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e São Lourenço da Mata) viram os índices de cumprimento pela população caírem. Enquanto no sábado (16) e no domingo (17), o percentual foi superior a 60%, na segunda-feira (18), todos os municípios ficaram na faixa dos 50%, segundo apontou o Painel Índice de Isolamento Social do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), feito em parceria com a empresa de tecnologia In Loco.

JAILTON JR./JC IMAGEM - A maioria das pessoas que residem nos bairros mais afastados do Centro, dos grandes corredores e avenidas, que estão no subúrbio, são trabalhadores de serviços essenciais, que precisam e têm autorização para sair de casa

"“Mesmo com a redução do primeiro dia útil, nenhuma das 18 microrregiões do Recife ficou com índice de isolamento social inferior a 50%. No início da pandemia, tínhamos uma média de 26% e chegamos a 60%. Isso mostra que a periferia também está ficando em casa. Agora, é preciso considerar que o comportamento e os deslocamentos nos subúrbios são diferentes e, por isso, o poder público tem que estar cada vez mais presente! " - Túlio Ponzi, secretário de Inovação Urbana do Recife

No terceiro dia de proibição da circulação de pessoas e veículos - com exceção das que prestam atividades essenciais -, o Recife registrou 55,5% de isolamento, Olinda ficou em 55,4%, enquanto que Camaragibe, São Lourenço da Mata e Jaboatão dos Guararapes registraram 52,5%, 51,8% e 52,2% respectivamente. Nos dois primeiros dias, essas mesmas cidades tiveram índices que variaram de 58% a 62,1% - como foi o caso do Recife, sendo a capital brasileira que mais respeitou o #fiqueemcasa. Por ser o primeiro dia útil após o início das regras rígidas e o principal teste da medida, a redução do cumprimento pela população assustou.

 

Kleber Melo - Índice de isolamento

E o susto foi embasado em dois aspectos. Em primeiro lugar, porque as autoridades de saúde afirmam que a taxa ideal de adesão ao isolamento é de 70% - o que ainda não foi alcançado por nenhuma cidade pernambucana e, pelos números, parece estar cada vez mais distante. Em segundo lugar, porque uma grande quantidade de pessoas circulando na periferia das cidades com lockdown se tornou um flagrante diário, principalmente no sábado e na segunda-feira.


JAILTON JÚNIOR/JC IMAGEM - Centro de Jaboatão dos Guararapes na manhã de terça-feira (19), segundo dia útil do lockdown na RMR

Mas segundo o gerente de dados da In Loco, José Luciano Melo, isso vai sempre acontecer porque a periferia precisa estar e sair à rua com mais frequência do que a classe média, por exemplo. E, nos dias úteis, essa movimentação será ainda maior. É a hipótese que os analistas consideram. “Não há como ser diferente. A maioria das pessoas que residem nos bairros mais afastados do Centro, dos grandes corredores e avenidas, que estão no subúrbio, por exemplo, são trabalhadores de serviços essenciais, que precisam e têm autorização para sair de casa. Por isso essa redução, por exemplo, dos índices da segunda-feira em relação ao fim de semana. E não é um cenário verificado apenas no Recife ou em Pernambuco. É no País inteiro”, explica.

"“A classe média também tem reduzido os seus índices de isolamento e é um fenômeno nacional. Nos bairros de classe média de São Paulo, por exemplo, localizados próximo à área central, houve uma redução de 3% na terceira semana após o início das medidas. Por isso muitas cidades optaram por adotar o rodízio de veículos. Recife é um exemplo " - José Luciano Melo, da In Loco


A redução do respeito ao isolamento entre os fins de semana e os dias úteis, segundo o gerente de dados da In Loco, acontece desde o início das medidas de orientação para que a população ficasse em casa, entre os dias 20 e 25 de março. Além disso, apesar da redução, a segunda-feira 18/5 (primeiro dia útil do lockdown na RMR) teve uma adesão maior do que o mesmo dia das duas semanas anteriores. “O índice de isolamento da segunda 11/5 foi de 51,4%, enquanto que o da segunda anterior foi de 52%. Na última segunda subiu para 55.5%, um aumento de quase cinco pontos percentuais. É muito”, afirma. E, mesmo assim, Pernambuco ficou em segundo lugar entre os Estados que mais tiveram adesão ao isolamento na última segunda-feira.

"“Esse isolamento monitorado pela In Loco, por exemplo, não representa, na prática, que a contaminação pelo vírus foi de fato reduzido. Isso porque, basta uma pessoa de uma família sair de casa que o risco de contaminação existe para todos. O que nós precisamos é que todas as pessoas - todas mesmo - fiquem em casa por 15 dias. Só assim vamos vencer esse vírus " - Jones Albuquerque, coordenador do Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD), da UFRPE e UFPE


O secretário de Defesa Social de Pernambuco, Antônio de Pádua, segue a mesma lógica da In Loco. “Não quero dizer que não nos preocupa a presença da população nas ruas de bairros do subúrbio e temos reestruturado a complexa Operação Quarentena atentos a isso. Mas a movimentação, os deslocamentos da periferia são diferentes daqueles realizados pela classe média por exemplo. No subúrbio, as pessoas compram seus alimentos em feiras livres, estando mais na rua. Enquanto que em bairros de classe média os moradores vão para supermercados. A aglomeração não é nas ruas, mas nesses estabelecimentos”, argumenta.

JAILTON JR./JC IMAGEM - Nos dias úteis a movimentação na periferia será ainda maior

Pádua defende que os índices de isolamento precisam ser analisados por dias equivalentes. “Não podemos comparar uma segunda-feira com um sábado ou um domingo, por exemplo, quando já há uma redução natural da circulação de pessoas. Além disso, é preciso considerar a retomada do pagamento do auxílio pela Caixa Econômica Federal (CEF), que foi nesta segunda”, defende. Mesmo assim, apresentou dados que mostram que a primeira segunda-feira do lockdown teve mais respeito ao isolamento do que as duas segundas anteriores nas cinco cidades da RMR. “A taxa de isolamento da segunda (18) foi 9% maior do que a verificada na segunda (11) nessas cinco cidades. Mas voltamos a insistir. A Operação Quarentena é complexa e tem na fiscalização pela força policial apenas 10% do seu poder. Os 90% restantes dependem da conscientização da população”, alerta.

TAGS
pernambuco recife coronavírus covid-19 Assinante
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory