Em meio a uma pandemia que escancara os problemas sanitários e da saúde pública, a contaminação da covid-19 pelo lixo é mais um gargalo a ser enfrentado em Pernambuco. Metade das pessoas descarta máscaras, luvas, agulhas, restos de medicamento, rejeitos de banheiro e outros tipos de produtos perigosos sem o devido cuidado para evitar que essa seja mais uma rota de transmissão do novo coronavírus. O dado foi revelado após levantamento feito pelo grupo de Gestão Ambiental de Pernambuco da Universidade Rural de Pernambuco (UFRPE) em parceria com a Econosp, empresa de gerenciamento de resíduos sólidos de saúde.
De acordo com a pesquisa, apenas 6% dos entrevistados jogam fora os resíduos perigosos em um saco específico com a sinalização que indique que o material é infectante. A maior parcela (29%) respondeu que faz o descarte junto com o lixo comum, enquanto 17% faz a separação mas não a identificação.
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O estudo foi realizado com 570 pessoas de 21 estados, sendo 80% de Pernambuco. Do total, 85% está em isolamento social, 47% mora com alguém que apresentou sintomas de gripe durante o confinamento e 3% convive com uma pessoa que testou positivo para a doença.
Soraya El-Deir, professora de Gestão Ambiental, avalia que os números são preocupantes, já que pelo menos metade dos brasileiros deverá entrar em contato com o novo coronavírus, e, desses, 80% ficarão assintomáticos e 8% em isolamento domiciliar - continuando a produzir detritos.
O correto é sempre fazer a separação do que é resíduo (que podem ser reaproveitados) e rejeito (impróprios para reaproveitamento). As orientações valem para todas as pessoas, não só para quem está com o vírus. "Estamos falando para 98% da população. Essas recomendações precisam ser adotadas por todos da sociedade”, afirmou.
“Percebemos um altíssimo grau de desconhecimento do potencial de contágio que resíduos e rejeitos têm no ambiente domiciliar, e uma baixa consciência social do acondicionamento correto dos resíduos que vão passar pelas mãos de trabalhadores do serviço público ou de catadores”, comentou.
Para a especialista, a adoção de medidas para minimizar esses danos seria benéfica não só durante a pandemia atual. “Quando passar a covid, vamos ter novos patógenos. A sociedade nunca se preocupou em barrá-los - seja H1N1, gripe comum, influenza, qualquer outro tipo de bactéria ou vírus”, disse.
Por isso, ela cobra a criação em âmbito nacional de uma normativa do Ministério da Saúde que trate do assunto. “Defendo o desenvolvimento de um programa nacional de segurança sanitária e ambiental que deixe muito claro os cuidados corriqueiros que a população deve seguir. Isso já está atrasado”, declarou. Na sua perspectiva, as informações devem ser disponibilizadas de maneira contextualizada, “para que o cidadão não precise fazer extrapolações próprias para adaptá-las à sua realidade”.
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Quanto ao tratamento e destino dos resíduos infectantes que vão parar na coleta municipal da capital pernambucana, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) disse estar "seguindo as orientações da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, que determina que as máscaras e luvas descartáveis sejam colocadas em dois sacos e jogados na lixeira do banheiro, garantindo que esse material não seja direcionado para reciclagem e tenha a destinação correta para o aterro sanitário."
A falta de conscientização sobre o tema se reverte no tratamento inadequado do lixo e é sentida por catadores de recicláveis e garis.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Limpeza Urbana de Pernambuco (SindiLimp-PE) falou que o momento é sentido com preocupação pela categoria. “O caso é sério, a gente vê que nosso país está segundo lugar de contaminação no mundo. No trabalho da limpeza urbana, o risco é grande de pegar”, ressaltou. “Esse é um trabalho de educação da própria sociedade. Somos um segmento que ainda é desconsiderado. As pessoas botam o lixo de qualquer jeito, o trabalhador é qualquer um”, lamentou.
“Quando for jogar fora, amarre o lixo bem amarrado, separe a reciclagem, e deixe na frente de casa no ponto certo. Até para evitar um acidente. A gente tem recebido muita reclamação dos próprios trabalhadores que têm se acidentado”, pediu.
O pleito do sindicato também é pelas condições adequadas de trabalho, com os equipamentos de proteção individual (EPIs) devidos. “Às vezes a empresa dá uma máscara e quer que o trabalhador passe uma semana com ela, mesmo sabendo que ela precisa ser lavada e trocada. Ela precisa dar todos os dias”, cobrou.
No caso dos catadores, eles sequer deveriam entrar em contato com o que não é reciclável. No entanto, não é raro se depararem com luvas, máscaras e até seringas. “Isso é algo que acontece”, contou o advogado Daniel Pernambucano de Mello, representante da Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis em Pernambuco, braço jurídico do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).
Mello também identifica como "falha no processo da base" a "falta da separação (do lixo) nas células geradoras, no caso, nas residenciais”.
A limpeza urbana é considerada um serviço essencial pelo decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas a recomendação da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) foi de suspender a coleta seletiva por quanto durar a pandemia.
Ainda assim, a maior parte continua tendo que trabalhar. A instituição recomenda o uso o EPI, o afastamento os profissionais em grupo de risco e os que apresentem sintomas, e o isolamento dos produtos coletados. "A orientação que tenho dado é que qualquer resíduo recebido deve ficar em quarentena de pelo menos 9 dias. O ideal são 10 dias." "As jornadas também estão reduzidas porque não está havendo comercialização como antes. Quem compra não está comprando mais".
A Associação representa cerca de 50 cooperativas e associações. Os catadores avulsos, muitas vezes em situação de rua, são ainda mais vulneráveis nesse processo, segundo Mello. Normalmente, os resíduos são entregues aos grupos depois de passarem pela coleta da prefeitura. Com essa população, não é assim. “Geralmente fazem a coleta em sacos que encontram na rua”, pontuou. “Eles não estão assistidos com nenhuma forma de EPI: muitos não têm acesso a luvas, a condição de comprar máscaras, não existe acesso a álcool em gel, água e sabão”, completou.
Na sua visão, caberia aos municípios fazer uma ação mais incisiva de identificação e cadastro das pessoas que trabalham dessa forma. “Não se sabe quantos catadores de rua existem. Não há um cadastro recente ou atualizado. E se você não entende a dimensão da questão, se você não tem dados, não tem como tratá-los de alguma forma.”
Restos de medicamento, agulhas, seringas e outros perfurocortantes devem ser encaminhados a uma farmácia. “Toda farmácia tem obrigação de receber e de ter uma destinação específica para esse material, que precisa seguir uma outra rota, de descontaminação”, explicou.
Remédios não devem ser jogados em pias e privadas, porque é contaminante da rede de esgoto. Separá-los do lixo comum é importante para impedir que outras pessoas entrem em contato com a substância.
Resíduos de saúde também são considerados infectantes, e, por isso, devem sempre ser separados do lixo comum. O correto é lacrar a sacola, com um nó ou fita adesiva, e colocá-la na posição invertida dentro de um segundo saco. Depois, sinalizá-lo com a palavra “INFECTANTE”. A pesquisadora lembra para a não utilização de grampos, que rasgam o plástico. O ideal é evitar a movimentação do lixo para que não contamine o ambiente. O material pode ser destinado à coleta municipal ou encaminhado à farmácia.
Cuidados com contaminados
Caso haja uma pessoa com suspeita de coronavírus ou confirmado em casa, um recipiente para ser usado de lixeira deve ser colocado dentro do quarto do paciente. O que for acumulado deve ser retirado uma vez por dia, em um horário do dia específico, de preferência quando tiver menos gente na residência.