"Faltou paciência dela", diz mãe do menino Miguel, que morreu ao cair de prédio no Recife

"Meu coração está sangrando pela perda da minha vida. Do amor da minha vida", lamentou Mirtes Renata
JC
Publicado em 04/06/2020 às 12:48
Mãe e avó de Miguel deram entrevista à TV Jornal Foto: WELINGTON LIMA/JC IMAGEM


Atualizada às 12h30 do dia 5 de junho

Uma dor muito forte no peito. Assim descreveu Mirtes Renata Santana da Silva o sentimento que toma conta da sua vida um dia após velar o corpo do filho Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos.  "Dor pela perda do meu filho, e só. Não sinto raiva, ódio, depois que vi os vídeos, não", afirmou, em entrevista à TV Jornal no início da tarde desta quinta-feira (4). "Meu coração está sangrando pela perda da minha vida. Do amor da minha vida". Ao seu lado, a avó do garoto, que o considerava ao mesmo tempo filho e neto, fez coro ao sofrimento da mãe. "Tudo que eu quero é só justiça", declarou Marta, emocionada.

Mirtes trabalhava como empregada em um apartamento do condomínio de luxo do bairro de São José, área central do Recife, conhecido como Torres Gêmeas - do qual o pequeno Miguel caiu do nono andar nessa terça-feira (2). 

Após ter visto as imagens que mostram a patroa, Sarí Côrte Real, esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), dentro do elevador com o menino, instantes antes de ele sair quatro andares acima e despencar de uma altura de 35 metros, Mirtes concluiu que faltou paciência por parte da empregadora. O delegado Ramon Teixeira autuou Sarí em flagrante por homicídio culposo.

O garoto chorava com saudade da mãe, que, mesmo em plena pandemia, continuava a trabalhar. Especialmente naquela terça, por sentir falta dela, pediu para acompanhá-la ao trabalho.

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Imagens do circuito interno de vigilância divulgadas pela Polícia Civil de Pernambuco na quarta-feira (3), mostram que, após Mirtes precisar descer para passear com o cachorro, a patroa deixou a criança entrar sozinha no elevador e o enviou quatro andares acima. Perdido, o pequeno Miguel teria entrado no vão de um dos condensadores de ar, e, ao ver a mãe no térreo, teria caído.

A suspeita pelo crime teve a identidade preservada pela Polícia, pagou uma fiança de R$ 20 mil e foi liberada. 

"Ontem, quando eu vi o vídeo, entendi o motivo da revolta que houve no velório do meu filho. Antes disso eu não tinha visto nada. Porque quando eu estava na delegacia e os vídeos chegaram, eu não quis ver porque não estava em condições de ver nada", disse Mirtes. "A conclusão que eu tirei é que infelizmente faltou um pouco de paciência dela para tirar meu filho de dentro do elevador. Se ela tivesse tido um pouquinho de paciência, tivesse pegado ele pela mão, antes de ficar só falando, meu filho hoje estaria comigo", lamentou. 

Ela lembra Miguel como um menino extrovertido e extremamente feliz. "Como criança ele tinha tudo, eu dava educação, saúde, vestuário, o que fosse necessário para o meu filho, eu dava. Eu deixava faltar para mim, mas para ele não deixava faltar nada", comentou. "Tinha planos para o futuro dele. Infelizmente os planos para o futuro do meu filho foram interrompidos".

Na entrevista, a mãe relembrou os últimos momentos com ele, antes de ter que descer com o cachorro de estimação dos proprietários do imóvel. Mirtes contou que informou a patroa que não levaria ao passeio o garoto e a filha dos patrões, que costumavam brincar juntos, e, em resposta, a suspeita do crime falou que cuidaria das crianças.

"Quando eu saí do apartamento, eu deixei ele dentro do apartamento. Antes de sair, disse para minha patroa que não iria levar as crianças para passear a cadela porque eles aperrearam. Eu disse que, por não terem se comportarem, eu não iria levar. E, se depois eles obedecessem, de tardezinha eu levaria. A menina (a filha dos patrões) se conformou, mas meu filho não se conformou, ficou chorando. Ela disse que eu fosse, que ela ficar com Miguel", relatou.

Leia, na íntegra, a entrevista da TV Jornal

TV Jornal: Mirtes, a gente sabe que é um momento difícil. Qual o sentimento hoje?

Mirtes: O sentimento que prevalece em mim é dor. Dor pela perda do meu filho, e só. Não sinto raiva, ódio, depois que vi os vídeos, não. Só sinto uma dor muito forte no peito. Meu coração está sangrando pela perda da minha vida. Do amor da minha vida.

TV Jornal: Como era Miguel?

Mirtes: Miguel era uma criança extrovertida, extremamente feliz. Como criança ele tinha tudo, eu dava educação, saúde, vestuário, o que fosse necessário para o meu filho eu dava. Eu deixava faltar para mim, mas para ele não deixava faltar nada. E tinha planos para o futuro dele. Mas infelizmente os planos do futuro para o futuro do eu filho foram interrompidos.

TV Jornal: Mirtes, você sabia que o Miguel estava no elevador no momento desse incidente?

Mirtes: Não. Quando eu saí do apartamento, eu deixei ele dentro do apartamento. Antes de sair, disse para minha patroa que não iria levar as crianças para passear a cadela porque eles aperrearam. Eu disse que, por não terem se comportarem, eu não iria levar. E, se depois eles obedecessem, de tardezinha eu levaria.

A menina se conformou, mas meu filho não se conformou, ficou chorando. Ela disse que eu fosse, que ela ficar com Miguel

TV Jornal: Quem era a menina?

Mirtes: A filha da minha patroa.

TV Jornal: Eles costumavam brincar juntos quando você estava trabalhando?

Mirtes: Sim, sim, eles tinham um bom convívio, brincavam bastante. Normal de criança, brincar, aperrear...

TV Jornal: Pelas imagens, dá para perceber que a patroa foi até o elevador; ela teria saído do apartamento e ido ao elevador. Você tinha ciência disso?

Mirtes: Tinha. Que ela foi atrás de Miguel. Ontem, quando eu vi o vídeo, entendi o motivo da revolta que houve no velório do meu filho. Antes disso eu não tinha visto nada. Porque quando eu estava na delegacia e os vídeos chegaram, eu não quis ver porque não estava em condições de ver nada

TV Jornal: Diante das imagens que você viu, você tirou alguma conclusão?

Mirtes: A conclusão que eu tirei é que infelizmente faltou um pouco de paciência dela para tirar meu filho de dentro do elevador. Se ela tivesse tido um pouquinho de paciência, tivesse pegado ele pela mão, antes de ficar só falando, meu filho hoje estaria comigo

TV Jornal: Você me falou que ele costumava passar alguns dias numa casa de praia em Tamandaré. Ele teria chegado essa semana. ele passou na sua casa, inclusive, você até mostra aqui uma bicicleta que ele gostava muito de brincar.

Mirtes: Ele gostava muito, ele estava com saudade da a bicicleta dele.

TV Jornal: Vocês chegaram na segunda ,e antes de ir para o apartamento, na terça, ele passou aqui para brincar um pouco...

Mirtes: Na segunda-feira quando ele passou aqui, o pneu tava murcho, a gente passou na casa da vizinha, ela encheu o pneu dele, e ele ficou durante a noite na rua brincando, com os amigos dele na rua

TV Jornal: (À Marta, avó de Miguel): Seu filho-neto, seu único neto que a senhora tinha como filho. O que a senhora esta sentindo nesse momento, o que é que a família mais quer agora?

Marta: Eu estou sentindo muita dor. É dor. Meu coração esta sangrando. E tudo que eu quero é só justiça. Só justiça mesmo.

TV Jornal: Mirtes, em relação ao boletim de ocorrência, você está com ele? Foi entregue a você?

Mirtes: Não me entregaram o boletim de ocorrência. Eu assinei três vias e não me entregaram nada. Só me pediram para aguardar do lado de fora, que dois policiais iriam me trazer em casa. Foi o que fizeram, a mim não me entregaram nada.

TV Jornal: Agora é só esperar.

Mirtes: Agora é só esperar, pela Justiça de Deus e do homem.

Entidades realizam protesto

Um protesto será realizado por movimentos sociais, nesta sexta-feira, às 15h, em frente às Torres Gêmeas, como é conhecido o Condomínio Píer Maurício de Nassau, onde Miguel morreu. A concentração acontecerá em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, situado na Praça da República, bairro de Santo Antônio, às 13h. A partir das 14h, o grupo sairá em direção ao prédio. Às 15h, manifestantes se encontrarão com a família do menino.

Uma das entidades presentes é o Movimento Negro Unificado (MNU), atuante desde 1978 no Brasil contra o racismo. Para o coordenador Jean Pierre, de 29 anos, Miguel foi vítima do racismo estrutural, conjunto de práticas de uma sociedade que frequentemente coloca um grupo social ou étnico em uma posição melhor para ter sucesso e ao mesmo tempo prejudica outros. "A gente entende como racismo estrutural o não seguimento das regras da Organização Mundial de Saúde e dos órgãos públicos, porque serviço doméstico não é essencial neste momento [de pandemia do novo coronavírus]. Além disso, foi uma pessoa branca, de família rica, que vai responder em liberdade. E se fosse ao contrário?", questionou.

MPPE pode mudar tipificação de crime

A Polícia Civil deve encaminhar ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), nos próximos dias, a conclusão do inquérito sobre a morte de Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos. O delegado Ramon Teixeira autuou em flagrante a patroa da mãe do garoto, Sarí Côrte Real, por homicídio culposo. Segundo ele, a suspeita foi negligente por deixar Miguel usar um elevador sozinho, mas não teve a intenção de matá-lo. A pena para esse crime é de até três anos de detenção. Na prática, a Justiça pode decidir que Sarí deve prestar serviços à comunidade, por exemplo. Mas, claro, essa pena dependerá da interpretação do juiz.

Mas o caso ainda pode ter uma reviravolta. Quando o inquérito chagar ao MPPE, o promotor de Justiça responsável irá analisar provas materiais e depoimentos. E decidirá se denuncia Sarí Côrte Real por homicídio culposo ou doloso (quando há intenção de matar). Advogados criminalistas, ouvidos em reserva pela coluna Ronda JC, afirmam que o promotor pode, sim, interpretar que a patroa da mãe de Miguel agiu com dolo eventual, pois uma criança daquela idade jamais poderia estar sozinha em um elevador. Na visão dos criminalistas, ela era responsável pelo menino naquele momento e deveria ter impedido a ação. Caso o promotor decida denunciar por homicídio doloso, Sarí Côrte Real poderá ser levada à júri popular. Neste caso, a pena pode chegar a 20 anos de prisão.

Prefeito de Tamandaré diz estar "profundamente abalado"

Em nota enviada à imprensa, a Prefeitura de Tamandaré informou que o prefeito do município, Sérgio Hacker Corte Real, se encontra "profundamente abalado" pela morte de Miguel. O gestor é casado com Sari Corte Real, que foi responsabilizada por deixar a criança sozinha no elevador antes de cair de uma altura de 35 metros. Ainda em nota, a Prefeitura afirmou que Sérgio vai prestar informações aos órgãos competentes "no momento próprio e de forma oficial".

Jornal do Commercio

Artistas e influenciadores do Brasil se manifestam

A morte do menino Miguel Otávio, de 5 anos, gerou comoção nacional. Pelas redes sociais, artistas e influenciadores do Brasil repercutiram o caso e pedem justiça para a família do menino. A cantora carioca Iza pediu por justiça. Já a atriz e apresentadora Tata Werneck questionou o fato de Miguel estar sozinho em um elevador. Outros famosos como Thaila Ayala, Ludmilla, Bruna Marquezine, Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, também expressaram pesar pela morte.

Petição pede #JustiçaPorMiguel

O caso vem gerando repercussão e comoção nacional. Até o fim da manhã desta quarta-feira (04) mais de 77 mil pessoas já haviam assinado a petição que cobra por justiça pela vida do menino, um dia após a Polícia informar que a patroa da mãe de Miguel facilitou o acesso do menino ao elevador das Torre Gêmeas. No fim da manhã desta quinta-feira (4), a hashtag #JustiçaPorMiguel encabeçava o topo da lista dos termos mais usados por usuários do Twitter. 

O garoto chorava com saudade da mãe, que, mesmo em plena pandemia, continuava a trabalhar. Especialmente naquela terça, por sentir falta dela, pediu para acompanhá-la ao trabalho.

O abaixo-assinado, criado ainda na quarta, faz um apelo à PCPE e ao Ministério Público de Pernambuco.

Confira nos vídeos abaixo a cobertura da TV Jornal sobre o Caso Miguel

O caso

Câmeras mostram menino no elevador

Dor na despedida

Mãe soube de carta pela imprensa

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