Quase cinco meses após grande repercussão em Pernambuco, as mulheres que denunciaram estupro e atos libidinosos que teriam sido cometidos por ex-pastor de uma igreja evangélica da Zona Norte do Recife cobram o andamento das investigações do caso, que se encontra com o Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Segundo as vítimas, o homem, que na época não prestou depoimento por apresentar atestado médico alegando estar afastado das suas funções habituais por problemas psiquiátricos, tem levado uma vida normal e até mesmo realizado cultos em sua residência e fazendo consultas como psicólogo, profissão em que é formado.
Em conversa com a reportagem do JC, umas das dez mulheres que frequentava a igreja e denunciou o homem disse estar "indignada", já que o "silêncio" da justiça tem feito com que ele viva uma vida cômoda, como se nada tivesse acontecido. "Ele está impune, com as faculdades mentais bem. Uma vez encontrei com ele quando fui à agência de um banco.", disse Gisela*. O homem também foi visto por Leandra*, outra vítima, fazendo caminhada.
Segundo ela, a indignação pelo caso ainda não ter tido um desfecho é geral, tanto por parte das vítimas de abuso, quanto por parte de familiares e de pessoas que o conheciam e descobriram seu verdadeiro caráter após as denúncias.
Gisela*, que na época da denúncia contou que quando o crime ocorreu estava passando por problemas no casamento do qual o acusado, como conselheiro, se aproveitou, diz que não sente ódio do ex-pastor, mas que precisa que a justiça seja feita. "Ele se aproveita das mulheres sensibilizadas, com problemas no casamento e se aproveita disso para fazer o quiser", contou.
Após ter passado pela experiência traumatizante e ter tido coragem de fazer a denúncia, Gisela* tem medo de que o homem utilize da sua influência para sair impune e acabe fazendo novas vítimas. "Ele é um homem influente, já foi convidado até para pregar fora do Brasil. O caso não pode ser esquecido, ele me fez um mal tão grande que só em estar falando sobre o assunto neste momento meu coração já está acelerado. Não quero vingança, quero evitar que ele faça novas vítimas", desabafou.
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Na época em que foi denunciado, o pastor foi submetido a um conselho com os líderes da igreja que liderava, no qual foi oferecido a ele a possibilidade de renunciar ao cargo ou de continuar e ser aberto um processo administrativo para apurar a conduta. Com isso, ele preferiu firmar uma carta a próprio punho renunciando ao ministério.
Mesmo não pastoreando mais a igreja, as vítimas informaram que o homem tem cumprido a função de pastor em sua residência. "Ele tem feito culto na casa dele, para pessoas que fazem parte do círculo social dele, além cultos online por meio de aplicativos para pessoas específicas também", contou Leandra*.
Quando o caso ganhou repercussão, Leandra* contou à reportagem do JC, na época, que sofreu o abuso em 2002 e relatou como tudo aconteceu. "Eu estava passando por problemas no casamento. O pastor quis saber mais sobre a minha vida, desde a infância, e descobriu que eu havia sofrido abuso sexual quando mais jovem", disse na ocasião.
A partir disso, segundo a vítima, o homem começou a querer saber mais sobre o abuso sofrido anteriormente e dizia que era por causa do fato que ela estava tendo problemas com o marido. "Um dia ele disse que ia passar na minha casa. Chegando lá, falou que eu teria que fazer sexo oral nele, porque isso era uma das coisas que me fizeram fazer na infância e iria ajudar a curar a minha alma", contou a vítima. A mesma mulher ainda passou por outra situação, em que o pastor pediu uma carona e queria levá-la para um motel, sob o pretexto de que queria ver o corpo nu dela. "Ele dizia que o corpo falava e que ver meu corpo nu ajudaria a trazer respostas", lembrou na época da entrevista.
Para ela, ver o homem levando uma vida normal após todas as denúncias tem feito com que ela se sinta impotente e desprestigiada. "Vejo um homem que fez inúmeras atrocidades impune. Me sinto incapaz, eu perdi tudo por causa dele, perdi minha família. ", declarou ao contar, aos prantos, que a violência sofrida acarretou no término do seu casamento. A mulher também falou "não entender como, em pleno século XXI, ele não ter sofrido nenhuma consequência dos seus atos até então".
Segundo as vítimas, o homem a princípio, ainda na igreja, assumiu os abusos, mas depois passou a negar e a dizer que as mulheres haviam consentido os atos e aceitado serem suas amantes. "Muita gente me julgou quando denunciei, gente que nem conhecia a minha história ou a minha índole. Por isso, o que me resta agora é lutar até o fim dos meus dias para que a justiça seja feita", concluiu.
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Uma outra denúncia feita pelas mulheres é de que o homem, que também é formado em psicologia e, segundo elas, utilizava de técnicas da profissão e hipnose para realizar os abusos, esteja realizando consultas psicológicas.
Questionado pela reportagem do JC sobre a cassação do diploma do acusado, o Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco - 2ª Região (CRP-02) informou, em nota, que o processo segue em sigilo. Confira a nota na íntegra:
"O Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco – 2ª Região (CRP-02) no uso de suas atribuições legais garantidas através da Lei Federal 5.766/1971, informa que todo procedimento administrativo desta natureza é sigiloso. Reiteramos ainda que todas as medidas são adotadas a partir de denúncias ou através de fiscalização do exercício profissional. Quando comprovada qualquer infração ao exercício da Psicologia, enquanto Ciência e Profissão, a/o profissional responderá a processo ético e poderá sofrer desde a penalidade de advertência até a decretação da cassação do seu exercício profissional."
Como o caso corre em sigilo, o JC perguntou ao órgão se o homem pode estar realizando consultas médicas e o Conselho afirmou que até onde foi informado, e acusado "está impossibilitado de realizar atendimentos, pois está enfrentando um quadro de problemas psíquicos."
O JC também tentou entrar em contato com o acusado de cometer os crimes para falar sobre as acusações, mas não obteve retorno.
Após denúncias, a Delegacia da Mulher, que atendeu as vítimas, encaminhou os inquéritos policiais referentes ao caso ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Com isso, a reportagem do JC procurou o órgão para saber sobre o andamento do caso.
O MPPE informou que, de acordo com a Central de Inquéritos da Capital, os inquéritos policiais retornaram à Delegacia da Mulher para realização de diligências por ordem da 36ª Promotoria de Justiça Criminal.
Procuradas, a Delegacia da Mulher e Polícia Civil informaram que o os inquéritos enviados pelo MPPE não chegaram à delegacia.
De acordo com a Polícia Civil de Pernambuco, em janeiro de 2020, começaram a chegar denúncias de mulheres contra um ex-pastor acusado de cometer estupro e atos libidinosos em uma igreja evangélica da Zona Norte do Recife.
Na época, a Polícia informou que homem usava a condição de pastor e psicólogo para praticar atos libidinosos durante o atendimento pastoral. "Ele se prevalecia da sua função para tentar praticar atos libidinosos contra essas mulheres dizendo que eram técnicas de cura, libertação espiritual e psicológica e, com algumas dessas mulheres ele conseguiu consumar atos libidinosos e com uma delas a gente conseguiu materializar que ele praticou efetivamente o estupro", contou a delegada Bruna Falcão, responsável pela Delegacia da Mulher, que recebeu as denúncias.
De acordo com a Polícia Civil, o homem usava a condição de pastor e psicólogo para praticar atos libidinosos durante o atendimento pastoral. "Ele se prevalecia da sua função para tentar praticar atos libidinosos contra essas mulheres dizendo que eram técnicas de cura, libertação espiritual e psicológica e, com algumas dessas mulheres ele conseguiu consumar atos libidinosos e com uma delas a gente conseguiu materializar que ele praticou efetivamente o estupro", contou.
O ex-pastor foi intimado para prestar depoimento no dia 13 de fevereiro, mas apresentou atestado médico alegando estar afastado das suas funções habituais por problemas psiquiátricos durante 60 dias e pediu adiamento do interrogatório. Foi marcado um novo depoimento para a semana seguinte, mas foi apresentado um novo atestado psiquiátrico e os inquéritos foram concluídos e remetidos à Justiça. "Esse segundo adiamento a gente não deferiu e resolveu não aguardar. Nós sabemos que problemas psiquiátricos a gente não tem condições de estimar a recuperação", explicou a delegada na época. "Os procedimentos foram concluídos sem o interrogatório do investigado e remetidos para apreciação do Poder Judiciário", completou.
Apesar das denúncias contra o homem, a delegada explicou que não foi feito o pedido de prisão preventiva porque ele "em nenhum momento se furtou à intimação, se colocou à disposição para ser inquirido, embora contrariamente à recomendação médica". "Mas, havendo motivos justificados para que a gente peça a prisão e ele responda de maneira encarcerada aos procedimentos, isso será feito. A gente não vislumbrou a possibilidade no momento, mas isso pode mudar no futuro", disse na ocasião.
* Os nomes das vítimas foram modificados para preservar as suas identidades, assim como, pelo mesmo motivo, o nome do acusado não foi revelado