Quem desce o viaduto ao lado do Shopping Tacaruna em direção a Olinda, no Grande Recife, e vê a área verde abandonada no Complexo do Salgadinho sequer imagina que está em frente àquele que poderia o maior complexo de lazer da Região Metropolitana da capital. Com 80 hectares de área, o Parque Memorial Arcoverde agoniza à espera de atenção do poder público. A área tem projetos desde 1986, que contam com a assinatura de nomes ilustres como Burle Marx e Acácio Gil Borsói, mas quase nada saiu do papel desde então.
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Não é preciso percorrer todo o equipamento, que começa no Espaço Ciência e segue até Rio Beberibe e a Praia Del Chiffre, para perceber os problemas. Equipamentos quebrados, tomados pela vegetação, pichados e cercados por lixo podem ser vistos em praticamente todo o terreno, que também é sinônimo de insegurança. A exceção é o Espaço Ciência, uma das únicas estruturas que foram construídas de acordo com o projeto e seguem abertos à população.
Arquiteto e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luiz Vieira trabalhou com Burle Marx e coordenou o projeto paisagístico. Ele lembra que, quando chegou ao local, em 1986, tudo não passava de um grande aterro. “Borsói havia projetado aquela parte do teto de jardim com a cúpula em forma de pirâmide e, então teve a ideia de fazer o parque naquele trecho de 20 hectares onde hoje funciona o Espaço Ciência, como se fosse o Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, assinado por Burle Marx, e o chamou.” O arquiteto explica que o teto de jardim foi pensado porque a área, por ser tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), não é edificante. “Ela dá vista para a Colina de Olinda e, por isso, não pode ter edificações. A ideia era que a construção se mesclasse à paisagem. Aquele espaço seria, então, um ponto de apoio turístico na entrada de Olinda, para os turistas que chegassem”, explica.
O prédio, que hoje faz parte do Espaço Ciência, foi construído, mas o parque, que até então ocuparia uma área de 20 hectares no entorno, não saiu do papel. Durante o governo de Joaquim Francisco, entre 1990 e 1994, houve a iniciativa de retomar as obras e um novo arquiteto foi chamado para projetar o equipamento, batizado de Memorial Arcoverde. Foi nessa época que o projeto tomou dimensão maior e passou a ser concebido para ocupar uma área de 80 hectares. O novo desenho, no entanto, não respeitava o trabalho original de Burle Marx, o que causou protestos na época. “Houve um movimento forte da sociedade e do Instituto de Arquitetos”, lembra Vieira. Após muitos debates, decidiu-se por manter o trabalho original. Assim, em 1994, uma parte do parque, com alguns equipamentos esportivos, foi inaugurada. O Espaço Ciência passaria a ocupar a área em 1996, enquanto o restante permanecia subutilizado.
Em 2009, quando o Cirque du Soleil aportou em Pernambuco, parte do parque foi pavimentada para receber as estruturas circenses, o que, segundo o arquiteto, piorou a situação. Nessa época, Vieira foi contratado pela Secretaria de Turismo do Estado, ao lado de Marco Antônio Borsói, filho de Acácio Gil Borsói, para retomar o projeto, seguindo o modelo de Burle Marx. Apesar de ter ficado pronto em 2010, nada foi construído em dez anos. Em 2019, a gestão estadual pediu aos arquitetos uma revisão do trabalho, que ainda espera aprovação para poder ser executado. Segundo Vieira, a ideia é que o equipamento público tenha ciclovia, área de skate, praça de alimentação, áreas de piquenique e uma área de exposições que serviria como complemento ao Espaço Ciência.
Enquanto nada disso vira realidade, o local serve como ponto de descarte de lixo, consumo de drogas, espaço para eventos no Carnaval e pista para treinamento de motoristas. O auxiliar de cozinha Jamerson Santos, de 30 anos, estava no local com a última finalidade. “O governo deveria pensar em transformar essa área, colocar quadras esportivas, pistas de caminhada. Poderia ser muito melhor aproveitado.” Segundo ele, à noite, com a falta de iluminação, o local fica escuro e perigoso.
A manutenção do parque e a execução dos projetos são de responsabilidade da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur), vinculada à Secretaria de Turismo e Lazer do Estado. Em nota, a Empetur informou que está em andamento o projeto de requalificação da área, voltado ao uso do espaço para a realização de eventos e para o lazer da população. “A parte arquitetônica tem como objetivo restaurar o projeto pioneiro concebido por Burle Marx para o espaço”, diz um trecho. Em relação à manutenção, o órgão informou que são realizadas ações regulares de limpeza e capinação. “O espaço vem também sendo utilizado para eventos culturais diversos desde 2018, como forma de atender à crescente demanda da iniciativa privada por espaços abertos para a realização, especialmente, de shows com atrações nacionais”, completa.