Enquanto as autoridades dão início à flexibilização das aulas presenciais em cursos livres e debatem os rumos da educação em meio à pandemia de covid-19, milhares de alunos seguem sem acesso a aulas no Estado. São crianças e jovens que não têm aparelhos celulares, computadores ou internet em casa e sentem na pele as consequências da desigualdade. A situação é ainda mais dramática em escolas das redes públicas municipais, que possuem estrutura mais precária, e afeta diretamente alunos dos anos iniciais e finais do ensino fundamental.
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"Existe um processo de implementação de aula remota, que se chama assim porque a Educação a Distância (EAD) exige legislação específica, e ele é muito desigual. Em algumas turmas, os alunos têm acesso parcial aos conteúdos e em outras esse acesso é muito pequeno. É uma naturalização da exclusão", aponta Carlos Elias Andrade, diretor de finanças do Sindicato dos Professores da Rede Municipal do Recife (Simpere).
Ana Franjik é professora de duas unidades da rede pública do Recife, as Escolas Municipais Professora Sônia Maria de Araújo Souza e Pastor José Munguba Sobrinho, no Jardim Jordão. Quando as aulas foram suspensas, em março, ela passou a enviar as tarefas para as famílias através de grupos de WhatsApp. Em julho resolveu parar. "Da turma, que tem 25 alunos, apenas sete ou oito acompanhavam. Percebi que estava excluindo crianças que eu não sabia sequer se tinham celular ou crédito para internet. Então, conversei com as mães e parei."
Com os professores da rede pública do Recife, a prefeitura fez parceria para ajudar a pagar a internet, mas Ana conta que a qualidade da conexão é ruim. "Já ficou dias sem sinal", relata. A precariedade, segundo ela, também está na organização do modelo de aulas remotas. "Nos ofereceram uma tutoria para dizer que estávamos preparados para atuar, mas ninguém aprendeu nada. É uma maquiagem."
A estudante Gabriela Silva, 33, é mãe de Davi, 6 anos, e Samuel, 10, que estudam no 1º e 3º ano da Escola Municipal Professora Sônia Maria de Araújo. "Na turma de um dos meus filhos, eu nem sabia que existia o grupo de WhatsApp, mesmo eu tendo fornecido meu telefone à direção. Ele está com bastante tarefa atrasada", desabafa. A autônoma Neide Lopes, 49, precisou comprar um celular novo para a filha Laís, 10 anos, que estuda na Escola Municipal Manoel Antônio de Freitas, no Alto Santa Terezinha, ter acesso às aulas pelo WhatsApp. "Nossos governantes deveriam olhar mais para o problema, dar suporte aos professores e aos alunos."
Patrícia Correia é professora do 3º ano da Escola Manoel Antônio de Freitas e conta que muitos alunos têm deixado de acompanhar as aulas. "Da minha turma de 26 crianças, apenas 10 têm participado. Muitas vezes, o único celular a que elas têm acesso é o dos pais, que já voltaram a trabalhar. Então, elas só podem fazer as tarefas quando eles chegam em casa à noite e isso acaba atrasando as atividades."
O drama se repete em unidades de ensino de outros municípios da Região Metropolitana do Recife (RMR), como Olinda. Segundo Patrícia, que também atua na educação infantil da Escola Municipal Alto da Macaíba, no bairro de Águas Compridas, apenas cinco dos 15 alunos têm conseguido acompanhar as aulas. A professora conta que tira dinheiro do próprio bolso para bancar as atividades que são entregues aos estudantes junto com os alimentos da merenda. "Fiz uma apostila do meu próprio dinheiro, para que não ficassem sem atividades", relata.
O caso de Patrícia não é isolado. Márcia Vieira, diretora de finanças do Sindicato dos Professores da Rede Municipal de Olinda (Simol), conta que muitos professores têm se virado como podem para levar materiais ao maior número de alunos possível. "Ainda assim, do universo de 24 mil alunos, nem 15% estão tendo aulas", pontua.
Apesar das dificuldades do ensino remoto, pais e professores são contra a retomada das aulas presenciais. A falta de estrutura das escolas é o principal problema apontado. Em algumas unidades, falta água e sabão. Em outras, as salas, sem circulação de ar adequada, já acomodam mais alunos do que a capacidade, o que impediria o distanciamento entre as crianças. "É uma decisão criminosa retomar as aulas sem vacina, em plena pandemia. O ano letivo se recupera, a vida não", argumenta Carlos Elias, do Simpere. Sem vacina, Laís não volta para a escola. "Minha filha tem anemia falciforme e faz parte do grupo de risco. Não vou mandá-la sem segurança de jeito nenhum", afirma Neide.