Quando tomei conhecimento de que o desfile do Homem da Meia-Noite seria cancelado, confesso que uma enorme tristeza invadiu meu coração. Mas infelizmente foi necessário. O objetivo neste momento é a preservação de vida. É preciso conter a proliferação do cruel e traiçoeiro coronavírus. Somos forçados a admitir que esse é o caminho certo e mais seguro a ser seguido. Que pena, ficamos este ano sem o Carnaval e sem o Homem da Meia-Noite.
Quando lembro desse gigante descambando rua afora na madrugada olindense, com janelas e portas abertas, a multidão misturando luzes, brilhos, sonhos e fantasias, tenho a plena convicção da relevância desse calunga em proporcionar momentos gloriosos de esplendor e emoção. Que vontade de voltar a percorrer as carnavalescas ladeiras de Olinda, retomar a alegria, os abraços e o reencontro. Mas precisamos nos conter e esperar 365 longos dias.
Quem já esteve perto do Homem da Meia-Noite e sentiu pulsar no coração os seus mistérios e rituais, sabe bem o quanto ele é mágico e envolvente. Aliás, um dos momentos mais nobres e marcantes da minha vida foi ser homenageado por esse símbolo maior do Carnaval olindense. Que momento memorável. Eu e a querida amiga e competente jornalista Jô Mazzarolo, recebemos esse super presente de Luiz Adolpho, o grande presidente do clube. Parece que foi ontem.
Pontualmente a meia noite. Sim, porque ele nunca atrasa. Ao sairmos da sede do Bonsucesso, tendo a frente a Igreja do Rosário dos Homens Pretos, local caracterizado e marcado por grandes tradições culturais de negros e escravos e uma multidão transbordando de emoções, nos deparamos com aquele gigante de 4 metros de altura, elegantemente vestido, o verde e o branco de um figurino impecável, aquele homem de fraque, cartola, gravata borboleta e dente de ouro. Diante de tudo isso, sinceramente, não conseguimos segurar a emoção. As lágrimas rolaram. Choramos de emoção e alegria. Acompanhamos todo o trajeto do desfile. Foram mais de quatro horas ao lado daquele calunga. Não sentimos cansaço nem sofrimento. Só alegria. Por volta das cinco da manhã, chegamos a sede do Cariri, onde presenciamos outro momento sublime: a entrega das chaves da cidade.
Anos depois, fui presenteado com outro momento de emoção. Luiz Adolpho aprontou de novo comigo. Em pleno dia 24 de setembro, dia do meu aniversário, ao terminar meu programa na Rádio Jornal, recebo a informação que precisaria ir urgentemente ao estacionamento da empresa, pois meu carro estava impedindo o acesso de um caminhão de grande porte. Desci a escada em desabalada carreira. Quando chego no estacionamento dou de cara com ele. Isso mesmo, o Homem da Meia veio cantar parabéns para esse humilde apaixonado. Que honra minha gente. Com direito a orquestra e passistas. Depois dos parabéns, o tradicional hino do famoso Clube Carnavalesco de Alegoria e Crítica O Homem da Meia-Noite. Algo inacreditável que até hoje me emociona. Foi ali que percebí o quanto é forte o meu coração. Escapei com vida.
É triste saber que neste ano de 2021 as ladeiras ficaram vazias. A orquestra de frevo não tocou. É preciso entender o silêncio do calunga como um respeito à vida. Certamente no próximo Carnaval, justamente quando ele completa 90 anos, estará firme e forte abrindo as portas da festa mais popular do Brasil. Como diz Alceu Valença, em meio aos versos de uma das suas canções, em parceria com o inesquecível Carlos Fernando, "Deu meia noite. São doze em ponto. A lua cheia clareia os Quatro Cantos. Dançando na multidão, com gigantes pernas de pau e com riso de manequim"
*Ednaldo Santos, Radialista e publicitário