Lendário Edifício Holiday, no Recife, e seus moradores enfrentam mais um capítulo de sua polêmica desocupação
Audiência pública designada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) discutirá o destino da construção no dia 2 de junho, às 15h30
O que um dia já foi vendido como “joia da moderna arquitetura brasileira” há tempos é associado ao abandono, ponto de crimes e processos judiciais. Dois anos após ter sido desocupado por risco de desabamento e incêndio, o Edifício Holiday, situado na área nobre do bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife, espera por um desfecho - ou um recomeço - para sua história. A construção que data da década de 1950 e que é um dos maiores símbolos do modernismo na capital pernambucana terá, no dia 2 de junho, às 15h30, mais um episódio do imbróglio jurídico que hoje está envolvida, como pauta de uma audiência pública designada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
O juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública do TJPE, Luiz Rocha, afirmou que a reunião tem como objetivo encontrar uma “convergência entre os proprietários e os investidores”. “Abriremos as portas do judiciário e do processo para que moradores, locadores e instituições possam se manifestar e apresentar suas ideias e sugestões. De nossa parte, temos a percepção de que a solução do Holiday passará pela iniciativa privada e pelo interesse de investidores, de modo que a gente possa encontrar um acordo entre eles e os proprietários. A gente precisa disso para resgatar esse ícone que marca uma era do Recife”, defendeu.
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A audiência será realizada por meio da plataforma Cisco Webex disponibilizada pelo TJPE e será transmitida por meio do Canal YouTube Sessões TJPE por meio deste link. As instituições que confirmaram a participação na audiência são: Corpo de Bombeiros: Guarda Civil de Pernambuco; Policia Militar de Pernambuco; Secretaria de Defesa Social do Estado; Defesa Civil do Estado; Ministério Público de Pernambuco; Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Estado; Arquidiocese de Olinda e Recife; Prefeitura do Recife; Companhia Energética de Pernambuco; Associação de Defesa dos Usuários de Seguros; Planos e Sistemas de Saúde; Sindicato da Habitação de Pernambuco; advogados dos moradores do Edifício Holiday, Comissão dos Moradores do Holiday; e Governo do Estado.
Advogada voluntária, Renê Patriota expôs que a defesa do condomínio é pela volta à habitabilidade do Holiday. “Sabemos que a interdição não foi errada, porque havia problemas estruturais e elétricos. Durante muitos anos, o condomínio foi mal administrado. Os atuais proprietários ou posseiros também o abandonaram financeiramente. O edifício chegou onde está por falta de cuidados, porque as taxas não foram pagas. Queremos que o condomínio volte a ter sua habitabilidade, porque o edifício é belíssimo, ali é uma área nobre, maravilhosa”, exprimiu.
Em 13 de março de 2019, a Justiça determinou que os moradores do Holiday deixassem o prédio. No fim daquele mês, as cerca de 3 mil pessoas que viviam no local já haviam desocupado a construção. Hoje, do lado de fora do edifício de 17 andares e 476 apartamentos, é possível observar algumas janelas quebradas. Outras foram arrancadas por criminosos. Do térreo, onde funcionava um comércio, as portas de alumínio foram levadas. A construção de mais de 67 anos também apresenta rachaduras, e a sujeira toma conta de sua calçada.
Integrante do Conselho de Moradores do Holiday, Fernando Santos, de 39 anos, afirmou que participará da audiência pública e que discute com o grupo as pautas a serem levantadas. “Ainda estamos juntando os moradores para discutir as pautas, mas queremos saber como vai ficar a situação, se será vendido ou não, o que será decidido”, explicou. Além disso, ele reiterou a situação de abandono que a construção passa, e o drama de quem saiu do prédio e não tem para onde ir. “Está abandonado. Ninguém está morando lá e ninguém tem onde morar, as pessoas estão passando dificuldades.”
Segundo o magistrado, o processo sobre o Holiday já conta com mais de mil páginas, e que não tem perspectiva de término pela falta de condições financeiras do condomínio responsável pelo prédio. “O problema do Holiday inegavelmente passa pela necessidade de reestruturação e pela recuperação da habitabilidade do edifício. Mas não tem outra forma de reocupá-lo sem investimentos. Isso vem sendo uma atividade desenvolvida pelo pessoal do edifício, só que o condomínio não tem conseguido arregimentar recursos para fazer essa recuperação”, disse.
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A advogada do condomínio critica que o processo tenha passado da 4ª Vara da Fazenda para a 7ª Vara, e cobra que o poder público proteja o local e seus moradores. “A Prefeitura entrou de má fé, porque o processo deveria ter ficado na 4ª Vara da Fazenda, mas ela fez um requerimento para que fosse para a 7ª Vara. Também queremos que a Prefeitura assuma sua responsabilidade em relação à habitação, porque simplesmente tirou o pessoal de lá e não se preocupou para onde as pessoas que estavam lá iriam morar. E, se o prédio foi interditado judicialmente, quem tem que garantir a segurança é a prefeitura”, cobrou.
Já o juiz explicou, durante entrevista à Rádio Jornal, que, pelo prédio ser privado, não se pode determinar uma segurança no local feita pela Polícia Militar ou pela Guarda Municipal do Recife. "Não posso dizer que não houve apoio. Destaco apoio do Estado, com a PM, e da prefeitura, com a guarda, que colabora com a reposição dos tapumes. Mas as pessoas furtam, já que não há segurança e o prédio está desocupado. Tenho notícias de que a prefeitura repôs 11 vezes os tapumes, mas a guarda municipal e a PM atuam no serviço público, nas questões da cidade e do Estado, não cabe designar a força pública a um setor privado, não tem como afastar da questão que o Holiday é privado e precisa de mecanismos para sobreviver e prover suas necessidades.”
O presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), o deputado Eriberto Medeiros (PP), publicou em suas redes sociais uma foto com o magistrado dando apoio à mobilização. Na publicação, comunicou que, durante a conversa, ambos compartilharam sobre “a preocupação em relação ao destino dos moradores, que, pelos riscos, não tinham condições de permanecer no imóvel”, e que seria necessário “fortalecer a mobilização, em audiência pública,” para chegar a um consenso. Ainda, completou: “nosso interesse é resguardar os direitos da população, buscando superar essa adversidade com entendimento e espírito solidário”.
Morador durante 14 anos e síndico do Holiday, José Rufino Bezerra, de 37 anos, morou em um carro dentro do edifício desde sua desocupação até novembro do ano passado, por não ter condições de pagar aluguel em outro lugar. Nesse período, impediu que crimes acontecessem, mas desabafou que não tem “condições de tomar conta daquele prédio sozinho”. Agora, conseguiu uma casa na Favela Entra Apulso, também em Boa Viagem, mas só espera que haja celeridade no processo judicial. “É muito triste ver a casa onde morei estar do jeito que está. Meu desejo hoje é só voltar a ter um lugar próprio”, disse.
Por nota, a Prefeitura do Recife alegou que a decisão judicial pela interdição determinou que é de "responsabilidade do condomínio, através do seu síndico, por se tratar de imóvel privado, assegurar que nenhuma ocupação volte a ocorrer enquanto não forem realizados os serviços de recuperação necessários", e que após tais reparos o imóvel será liberado para a reocupação. A gestão reiterou que na desocupação "prestou todo o apoio aos moradores na parte logística, com os caminhões de mudança e no apoio da assistência social, seja com o cadastramento e encaminhamento para os programas sociais disponíveis, seja com a disponibilização do abrigo emergencial para as famílias que solicitaram."