Na área de transportes, a concepção das passarelas vem da necessidade de proteger o pedestre em vias de grande fluxo de veículos, de modo que o tráfego não precise ser interrompido. No Recife, entretanto, usá-las também oferece riscos - não de atropelamento, mas estruturais - pela precariedade e falta de manutenção que muitas se encontram. Com o objetivo de repará-las, além de pontilhões e equipamentos similares, a gestão municipal abriu licitação nesse sábado (7).
O aviso foi publicado na edição desse final de semana do Diário Oficial do Município pela Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb). O texto define que podem ser investidos, no máximo, até R$ 5.591.751,81 no serviço - valor que pode ser reduzido a depender da disputa que acontece até 14 de setembro entre as empresas interessadas.
“Algumas capitais brasileiras apresentam vias estruturais para as necessidades de tráfego de travessia ou de ligações de pontos estratégicos para evitar o adensamento na cidade. As vias intraurbanas que margeiam áreas habitacionais ou de uso misto não comportam uma padronização no tratamento da travessia que, sem as passarelas, concorrem para que no Brasil as condições das vias – sinalização, trechos de travessia – sejam responsáveis por 47% dos atropelamentos com vítimas fatais”, explicou a doutora em Arquitetura e Urbanismo Rayanne Lima em artigo científico.
Na capital, não são poucas as passarelas que precisam de atenção. A situação da que está localizada no Pina, na Zona Sul do Recife, está tão precária que nem é mais utilizada pela população há cerca de 5 anos. O equipamento, que custou R$ 3,5 milhões aos cofres públicos, está cheio de ferrugem, com dois elevadores que não funcionam e quatro escadas rolantes que parecem não mais existir de tantos buracos, além de ter virado ponto de uso de drogas.
Para atravessar a Avenida Herculano Bandeira, o pedestre tem que correr e se arriscar entre os carros. “Eu acho que essa passarela foi feita em vão. Não serviu de nada, é um elefante branco, só fizeram gastar dinheiro público. Os vândalos tomaram contra, usam drogas, ficam escondidos aí para assaltar. É um descaso”, disse a dona de casa Rosa Valéria Gomes, 56 anos.
Já o equipamento que liga o Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano à Comunidade do Coque, em Joana Bezerra, ainda é utilizado, mesmo com uma série de problemas. Entre eles, está o ferrugem na estrutura - quebrada em muitos pontos -, falta de pintura e sujeira. Em 2018, a passarela passou por serviços de recuperação com substituição das placas de ferro e troca das placas de concreto danificadas que custaram R$ 110 mil.
A insegurança também domina o local, que fica completamente escuro à noite. Foi nesta passarela que o estudante Pedro Carvalho, de 24 anos, foi assaltado. “Percebi que tinham dois homens me encarando quando desci do ônibus, mas tive que atravessar a passarela, senão correria o risco de ser atropelado pelos carros. Um deles subiu, ficou na minha frente, e outro veio atrás de mim. Abriram minha bolsa e pegaram meu celular”, contou ele, que desde então evita usar o equipamento.
“R$ 5 milhões é muito pouco, porque são muitos os problemas que as passarelas têm", disse a engenheira Eliana Cristina Barreto. Quando questionada para quê esse valor varia, ele respondeu que "depende do número de passarelas e do grau de degradação". "Se o grau for muito elevado, não daria. Precisam ser analisadas passarela por passarela, porque cada uma tem sua complexidade” completou.
Por nota, a Emlurb informou que "a licitação para a manutenção de passarelas e pontilhões da cidade que estão sob a responsabilidade do órgão é uma iniciativa usual realizada, em média, a cada dois anos", e que a ação visa "garantir a continuidade dos serviços de manutenção como reparos e pinturas, entre outros que se fizerem necessários após vistorias frequentes da autarquia".
A reportagem também visitou nessa segunda-feira (9) passarelas de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), do governo federal, e do Departamento de Estradas e Rodagens (DER), nas BRs. Um dos acessos do equipamento localizado na 232, no Curado, Zona Oeste da capital, estava interditado por causa das chuvas e acúmulo de lixo. Nas colunas, os ferros estão à mostra, e os matos tomam conta do piso. Entre setembro de 2019 e janeiro do último ano, foram feitos reparos na passarela orçados em R$ 781,4 mil, necessários devido à passagem de um veículo de carga com tamanho acima do permitido no local.
Na mesma rodovia, na altura do Hospital Pelópidas Silveira, a população sofre pela falta de uma passarela. Entre 2012 e 2017, funcionava uma estrutura provisória, que foi retirada. Em dezembro de 2020, o DER respondeu ao JC que havia um "processo de tratativa conjunta" para "assinatura de um convênio de transferência de recursos da ordem de R$ 2.490.000 por parte do órgão federal, objetivando a execução das obras de instalação de uma nova passarela metálica no trecho especificado da BR-232 (km 5,7)". À época, órgão dizia que a expectativa é que os serviços fossem iniciados no primeiro semestre de 2021.
Nesta segunda, o DER afirmou que o processo de tratativa ainda acontece, só que dessa vez pela transferência de R$ 3.500.000. "Após a assinatura do acordo, prevista para este mês de agosto, a expectativa é que os serviços iniciem ainda neste segundo semestre de 2021", prometeu.
Uma das passarelas mais movimentadas do Recife fica sobre a BR-101, próxima ao Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (CEASA). Aparentemente, é bem preservada. Mesmo assim, estudo de engenheiros da Universidade de Pernambuco (UPE) aponta que “as juntas já não existem mais, e a falta destas faz com que a estrutura seja lavada sempre que chove. Essa água acaba carregando componentes do concreto causando grandes estragos [...], tornando o ambiente propício à corrosão”, escreveram José Edeilson da Silva França e Eliana, já citada.
Os mesmos pesquisadores também avaliaram a situada na BR-101, no Ibura. “Nessa passarela, a presença de corrosão de armadura, fungos e lixiviação é bem marcante. Também foram observados a falta de manutenção ou trocas das juntas metálicas com perdas de seção devido à corrosão”, disseram. O estudo também expôs a presença de fissuras e corrosão nos pilares, além da presença de fungos e pequenas vegetações.
No último dia 27 de agosto, a coluna Mobilidade também expôs os problemas da passarela que liga o Aeroporto Internacional do Recife ao metrô da capital e ao Terminal Integrado Aeroporto, que custou R$ 26 milhões do governo federal. Escadas rolantes não funcionam, falta iluminação e segurança, o piso do equipamento sofre com infiltração e, por isso, áreas isoladas são comuns ao longo do equipamento. A manutenção dela é feita pelo Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM), que informou que a manutenção é periódica e que os problemas apontados na reportagem já foram identificados e serão resolvidos em breve.