Na manhã desta segunda-feira (6), o Recife presta condolências a um entre os que melhor o estudou: José Luiz Mota Menezes. Aos 85 anos, faleceu o arquiteto e urbanista que dedicou a vida a entender as transformações modernistas da capital pernambucana.
O comunicado foi feito pelo Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), do qual ele era sócio benemérito da instituição. O corpo é velado ainda hoje na Academia Pernambucana de Letras.
Ele foi um alagoano apaixonado por Pernambuco, desde que mudou-se para o Recife aos 9 anos, em 1945. Anos mais tarde, tornou a cidade tema de grande parte de seus trabalhos.
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Menezes também era professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro da Academia Pernambucana de Letras e responsável pela Comissão Especial de Política Urbana do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco e foi duas vezes presidente do IAHGP.
"É com profundo pesar que o IAHGP informa o falecimento do seu ex-presidente e sócio benemérito, o Prof. José Luiz Mota Menezes (1936-2021). Arquiteto de formação, estudou na antiga escola de Belas Artes e realizou inúmeros trabalhos em prol do Patrimônio Cultural do Brasil. Sempre na fronteira entre a História e o Urbanismo escreveu inúmeras obras de referência para entender o Recife e Pernambuco. Deixamos aqui os sinceros pêsames aos familiares e amigos", lamentou o IAHGP.
No último mês de julho, esta repórter o procurou - mais uma vez - para uma conversa sobre a evolução da cidade. Mas, pela primeira vez, teve dele uma recusa: informou-me que já estava hospitalizado e debilitado.
Menezes defendia um modelo de cidade onde as pessoas podiam viver com tranquilidade e criticava a falta de mobilidade urbana e de planejamento para o transporte coletivo.
Luto oficial em Pernambuco
A notícia da morte do arquiteto de urbanista foi encarada com tristeza nesta segunda-feira. Por meio de nota, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, declarou luto oficial de três dias pela morte do também pesquisador. "Profundo conhecedor das raízes e evolução do Recife como cidade, o professor José Luiz era membro da Academia Pernambucana de Letras e uma referência nacional em patrimônio e urbanismo. Estamos decretando luto oficial de três dias em sua homenagem e queremos manifestar nossa solidariedade à família e amigos", disse o governador no texto.
Cepe
A Cepe Editora lamentou a morte José Luiz Mota Menezes. Por meio de nota, a editora relembrou que o arquiteto publicou, por meio dela, os livros Mobilidade Urbana no Recife e seus arredores; Ruas sobre as águas: as pontes do Recife, além de Recriação do paraíso: judeus e cristãos-novos em Olinda e no Recife nos séculos 16 e 17, em 2015.
"Pernambuco deve ao professor José Luiz Mota Menezes diversos estudos sobre a sua história, mais especificamente a história urbana do Recife. Os livros que ele publicou quanto ao processo de fundação da cidade e sobre o período holandês estão entre os fundamentais para a compreensão do nosso passado. Como editora dos últimos trabalhos do professor José Luiz Mota Menezes, a Cepe lamenta profundamente o seu falecimento", destacou o presidente da Cepe, Ricardo Leitão.
CAU/PE
A Comissão Especial de Política Urbana do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco, na qual o arquiteto atuou também lamentou a morte de José Luiz Mota Menezes. "Em nome de todos os profissionais do Estado, o CAU/PE expressa profundo pesar nesse momento de inigualável tristeza, e se solidaria com a família e amigos, destacando que o trabalho do professor José Luiz da Mota Menezes ficará na memória e servirá de inspiração para todos que buscam uma cidade em harmonia", disse nota pesar.
Perfil de José Luiz Mota Menezes
Em abril de 2014, ou seja, pouco mais de sete anos atrás, a repórter Cleide Alves, na época setorista de patrimônio e urbanismo deste JC, escreveu um perfil do professor José Luiz. Ele foi fonte de inúmeras matérias que Cleide escreveu sobre esses dois assuntos. Leia, abaixo, o texto dela:
Um arquiteto do tempo
Por Cleide Alves
Quando passei a fazer reportagens nas áreas de patrimônio e urbanismo para o JC – e isso já faz um bom tempo – toda vez que procurava um órgão público em busca de informações sobre um prédio antigo ou a evolução urbana do Recife, sempre ouvia a mesma resposta: fale com professor José Luiz. Referência para quem queria entender a história da cidade, ele acabava transformando as entrevistas em aulas, como continua fazendo até hoje.
Pequeno, magrinho e dono de uma memória invejável, José Luiz Mota Menezes é arquiteto de formação e historiador por necessidade. “Estudei história como autodidata, para entender a construção dos edifícios. É preciso compreender a mentalidade de quem projetou o imóvel, saber como se pensava na época, para fazer uma obra de restauração”, diz o professor, que completou 78 anos em 19 de março deste ano.
O homem que esmiuçou a evolução urbana do Recife é alagoano. “Nasci numa cidade pequena e fabril, hoje chamada Manguaba. Mas, para mim, continua sendo Pilar”, conta. Aos 9 anos de idade, mudou-se para a capital pernambucana com o pai – o restante da família ficou em Maceió – e morou numa pensão, durante um ano. “Com pena por me deixar sozinho a semana toda, meu pai me levava para passear pelo Recife”, recorda o arquiteto.
Foi nas andanças pelas ruas que ele descobriu a cidade. Diplomado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Recife, em 1961, veio a vontade de tentar melhorar as condições de vida das pessoas. “Tenho buscado isso a todo momento, desde uma época em que não havia palavras bonitas como planejamento e mobilidade. Fico amargurado de ver o bairro de São José nessa situação, largado”, declara.
Dedicado à restauração do patrimônio histórico desde o início da carreira, quando foi estagiário do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual Iphan), sem remuneração, José Luiz não condena a verticalização da cidade. “O problema não é a verticalização, mas a mobilidade urbana, ou seja o deslocamento na cidade com qualidade de vida”, afirma.
Errado, diz ele, é a construção de prédios de 30 andares em ruas com oito metros de largura em bairros como Torre e Madalena. José Luiz mora e trabalha numa casa, no bairro do Cordeiro, Zona Oeste do Recife, cheia de plantas no jardim. “Valorizo muito a paisagem, botei a janela de vidro na parede para ver o sabiá comendo pinha, enquanto trabalho”, comenta o arquiteto, ao levar as repórteres do para seu escritório, onde concedeu a entrevista.
Boêmio na juventude – frequentava o bar Savoy na Avenida Guararapes, jogava bilhar, gostava de dançar e de ir aos cinemas do Centro, acompanhado de um dos irmãos, o companheiro de farra – ele é um leitor por excelência. Na biblioteca que mantém em casa, há 11.800 livros de arte, arquitetura, história, patrimônio, cartografia, literatura, religião e dicionários e outros gêneros.
“Não li tudo, mas conheço todos”, declara José Luiz. Certa vez, abriu mão de uma viagem programada ao exterior porque usou o dinheiro para comprar um livro raro. Frequentador das redes sociais, ele é também um entusiasta da linguagem impressa, que considera universal. “Não houve a morte do livro e do jornal. TV, rádio e e-book são transitórios. O jornal é permanente”, avalia o arquiteto.
Ele foi amigo do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) e de José Antônio Gonsalves de Melo (1916-2002), um dos maiores historiadores do Brasil, com quem conviveu no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, localizado na Rua do Hospício. Nos eventos festivos da entidade centenária, que preside pela segunda vez, se diverte conversando com amigos (ele adora uma boa conversa), tomando vinho do Porto e comendo pão de ló.
Projetos
São assinados por ele os projetos de restauração da Catedral da Sé, Igreja de Nossa Senhora da Graça, antigo Palácio do Bispo (Sítio Histórico de Olinda), Casa da Cultura, Palácio da Justiça, antiga Estação do Brum, antiga Sinagoga da Rua do Bom Jesus, sede da Associação Comercial de Pernambuco e Palacete dos Amorins, na Avenida Rui Barbosa (Recife). Também projetou o Santuário da Mãe Rainha Três Vezes Admirável (Olinda) e a Igreja Matriz do Largo Paz (Recife), entre outros.
“Vivo intensamente todos os dias”, revela o homem que defende um modelo de cidade onde as pessoas possam viver em harmonia, independentemente de classe social. “A cidade é de todos, é uma construção coletiva, deve ter espaço para quem quer passear pelas ruas de Hyundai e para quem bate à porta da sua casa pedindo para cortar a grama e ganhar um trocado para comprar o pão.”
Esse é o José Luiz Mota Menezes indicado para entrevistas por técnicos municipais, professor da Universidade Federal de Pernambuco, consultor técnico e um dos responsáveis pela conquista do título de Patrimônio Cultural da Humanidade de Olinda, concedido pela Unesco em 1982.