Depois que um homem de 29 anos que trabalhava em uma obra para a construção de flats em Tamandaré, no Litoral Sul do Estado, morrer eletrocutado durante o serviço, a Superintendência Regional do Trabalho em Pernambuco (SRTE-PE) realizou uma fiscalização no local e resgatou outros 20 trabalhadores que atuavam no local e eram submetidos a condições de trabalho análogas à escravidão. Tanto a morte do homem quanto a ação da SRTE ocorreram no fim de agosto, mas as informações só foram divulgadas nesta semana pelo órgão.
De acordo com o auditor fiscal Carlos Silva, os homens, que não eram da cidade, trabalhavam e dormiam em situações degradantes, sem estrutura adequada de banheiro, para a realização das refeições nem de dormitório. O nome da empresa que contratou os funcionários e o local exato da obra não foram divulgados porque a fiscalização ainda está em andamento.
"A ação foi provocada por uma denúncia de ocorrência de acidente fatal por choque elétrico nesse canteiro de obras. Por ocasião dessa fiscalização, que se propunha a investigar as causas da morte do trabalhador, é que se verificou a existência de condições degradantes, especialmente nos alojamentos nos trabalhadores. O homem que morreu, inclusive, fazia uma escavação em uma área alagada quando recebeu a descarga elétrica. Como a obra não tinha projetos de instalações elétricas, as medidas de proteção não foram adotadas, o trabalhador sofreu o acidente no dia 25 de agosto e morreu", explicou Silva.
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Ao chegar ao local cinco dias depois da morte, a equipe de fiscalização verificou que os 20 funcionários que ainda trabalhavam na obra se amontoavam em dois quartos que faziam parte da própria construção e estavam inacabados ou, devido ao fato de a estrutura não ter sequer ventiladores, preferiam dormir na área externa do imóvel. "Por conta do calor que fazia nos quartos, que ainda não têm instalações elétricas, muitos trabalhadores preferiam dormir do lado de fora, a céu aberto. Alguns tinham camas com madeiras com farpas aparentes, eles inclusive se machucavam por conta disso, por isso colocavam seus colchões finos no chão e dormiam ao relento", detalhou o auditor.
Também foram identificados problemas nas instalações que eram usadas pelos trabalhadores como banheiros e cozinha. Além disso, a SRTE diz que várias remunerações trabalhistas dos homens, como horas extras, eram pagas de maneira irregular, fora da folha de pagamentos. "Eles estavam trabalhando de maneira permanente, alojados, então eram submetidos a jornadas de trabalho extensas desde 2019 sem receber exatamente por isso, e mesmo quando recebiam, recebiam por fora", disse Carlos Silva.
Após o flagrante, os trabalhadores foram retirados do local e o contrato de trabalho foi rescindido indiretamente, ou seja, é como se os trabalhadores tivessem sido demitidos sem justa causa, recebendo todos os seus direitos. Somadas, as verbas rescisórias que os 20 homens e o herdeiro do trabalhador que morreu receberam supera os R$ 140 mil. Além disso, todos eles vão receber três parcelas do Seguro-Desemprego Especial do Trabalhador Resgatado, no valor de um salário mínimo.
A obra foi embargada e deverá permanecer assim até o fim das investigações. No âmbito administrativo-trabalhista, a empresa que contratou os funcionários deve responder autos de infração por cada irregularidade identificada pela SRTE. Caso as apurações comprovem que a companhia é culpada, ela deve receber uma multa para voltar à regularidade.
"Superada essa fase de tramitação dos autos de infração, confirmando tudo o que foi constatado, a empresa pode entrar na lista suja do trabalho escravo, que é a relação dos empregadores que foram flagrados explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão. Em face dessa inclusão, eles sofrem várias restrições, como o acesso a financiamentos e a licitar com entes públicos, eles passam a ter restrições de mercado. Há ainda a persecução penal, que pode levar a até oito anos de reclusão, mas essa depende de uma denúncia do Ministério Público Federal em relação ao empregador", afirmou Silva.
Por nota, o Ministério Público do Trabalho afirmou que "aguarda a conclusão da operação da Superintendência Regional do Trabalho em Pernambuco (SRT/PE) para tomar as medidas de proteção coletiva relativas ao caso".
O auditor Carlos Silva, informou, ainda, que apenas em 2021 35 pessoas foram resgatados em Pernambuco por estarem trabalhando em situação análoga à escravidão. Em 2020, no Brasil, quase 900 trabalhadores foram identificados nesta mesma situação. "Este ainda é um problema atual, contemporâneo e que a gente precisa ter a estrutura necessária para combater. Por isso é tão importante a valorização do trabalho do auditor fiscal, mas mesmo diante da gravidade desses números, nós estamos diante do menor número de auditores fiscais do trabalho dos últimos 25 anos, só temos 2000 auditores no Brasil. São 1650 cargos vagos e o governo não faz concurso. O resultado disso são menos fiscalizações e menos trabalhadores socorridos, gerando mais exploração e mais mortes", lamentou.