Casa onde Capiba morou no Recife segue alvo de abandono e de promessas do Governo do Estado

Imóvel foi desapropriado em 2017 pelo Governo do Estado com a promessa de que iria "manter a memória artística de Pernambuco", mas até hoje segue fechado para visitação e em estado deplorável
Katarina Moraes
Publicado em 24/11/2021 às 11:39
DESCASO Espaço, que deveria ser usado para difundir a poesia do influente compositor de frevos, está tomado por lixo e, a cada dia, perdendo um pouco de sua história Foto: WELLINGTON LIMA/JC IMAGEM


Em um de seus choros, Capiba (1904-1997) descreve que uma casa - em analogia à amizade - precisa de muito tijolo e terra, que o reboco seja preparado e tramelas sejam construídas para que o alicerce se torne resistente às chuvas e aos ventos, e dure “para sempre”. Os ensinamentos são de alguém que construiu uma ao seu gosto em 1948, no Espinheiro, na Zona Norte do Recife. Mas ao contrário do que pede a canção “Amigo é Casa”, a residência onde ele viveu está longe de estar bem preservada. De propriedade do Governo do Estado, o imóvel foi desapropriado em 2017, e, desde então, segue em completo abandono.

O número 369 da Rua Barão de Itamaracá não parece ter abrigado o mais influente compositor de frevos do Brasil. A porta de entrada foi levada, e o imóvel hoje é fechado por tapumes e uma corrente. Boa parte do muro está mofada, há janelas sem vidros, e o reboco das paredes e as telhas estão caindo. Dentro da casa, a situação é pior. Nos dois andares da residência, o piso está coberto por folhas e raízes de árvores. Logo acima de um painel com uma foto do músico, uma parte do teto está com buracos, as fiações estão expostas, e as paredes, onde estão cartazes com letras de suas canções, rachadas.

Após a morte de Capiba, a casa foi herdada pela viúva Maria José Barbosa, a “Dona Zezita”, que voltou a morar em Surubim, no Agreste, terra natal do músico, e deixou o imóvel alugado para a empresa de consultoria TGI, que o transformou em uma espécie de memorial. Em 2017, foi desapropriado pelo Governo do Estado com o intuito de destiná-lo à preservação e conservação e “manter a memória artística de Pernambuco”. Mas até agora só promessas foram feitas. Esta semana, por nota, a Secretaria de Administração (SAD) de Pernambuco afirmou, sem especificar prazos, que a casa se tornará um espaço turístico, e que, para isso, iniciou “fase interna de estudo” para contratar os projetos de reforma do imóvel.

O processo de tombamento estadual também se arrasta desde então. De acordo com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), “estudos técnicos estão sendo retomados após o período de afastamento social provocado pela pandemia, mas a legislação já garante ao bem o status de ‘tombado’ até que se finalize o processo.” A pasta diz ainda não haver prazos definidos, e que só após a elaboração de um relatório técnico o Conselho de Cultura do Estado poderá votar a favor ou contra a proteção ao imóvel.

A falta de preservação causa problemas até mesmo para os vizinhos. A oficial de justiça Celsa Rios, que mora em um apartamento no primeiro andar do edifício ao lado, diz receber toda a sujeira do imóvel. “A gente não vê ninguém varrer ou fazer manutenção. De certa forma, interfere no prédio. É muito ruim usar a piscina, porque os urubus ficam sobrevoando. Vez ou outra, cai aqui alguma coisa de lá. O abandono é total, é uma pena, porque essa foi a casa de Capiba, e deveria ser preservada por ele pertencer ao nosso patrimônio”, lamentou.

Em Surubim, a preservação da memória de Capiba é foco

Em Surubim, todavia, segue a todo vapor a conservação do acervo de Capiba, que contém, entre os arquivos, mais de 800 partituras do músico. O produtor cultural Amaro Filho, da Página 21, é responsável pelo trabalho de mapeamento e curadoria, e já negocia exposições com museus. “Vamos dar mais vida às escrituras que estavam no acervo de Surubim, na casa da viúva dele, através da Associação Cultural Capiba. O trabalho vai ter como produto final um site”, contou.

Um terreno doado pela Prefeitura de Surubim também deve se tornar um memorial ao pernambucano. “Conseguimos o terreno, um projeto arquitetônico muito interessante e o orçamento, mas ainda não conseguimos recursos. Estamos trabalhando nisso para que esse espaço significativo sirva de uma ponte de difusão permanente da vida, história e obra dele”, disse Fernando Guerra, presidente da Associação. 

Por essa mobilização estar em curso, o grupo afirma não ter braço ou condições financeiras para também se preocupar com a casa onde o músico viveu no Recife, mas Amaro sugere: "o governo estadual comprou, mas não definiu o que iria ser feito, e ela está lá, daquele jeito. O ideal era que ela existisse de forma plena, e que parte do acervo ou cópia do acervo ficasse lá". Fazendo com que, assim como aconselhou Capiba no Frevo, ela também colabore para que seu legado perdure.

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