Na Comunidade Sítio Marreta, o pedreiro Lindemberg Cardoso, de 41 anos, tentava reerguer mais que sua casa, mas a vida de sua família. Com a mulher e os quatro filhos, ele precisou deixar a antiga residência para execução do projeto de urbanização da Bacia do Fragoso, em Olinda, no ano passado. Novamente, no último mês, teve a paz interrompida por nova ameaça de desapropriação, dessa vez para a criação da futura lagoa de retenção do Canal do Fragoso.
“Minha casa era no valor de R$ 160 mil, mas me deram R$ 86 mil, e isso porque fiquei lutando. Morei dois meses de aluguel porque tive que sair de lá com 15 dias quando deram o dinheiro. Perguntei se aqui ia sair também, e disseram que não”, contou Lindemberg. Então, com o valor da indenização e a ajuda da família e amigos comprou uma laje no novo endereço. “Agora, vieram marcar para tentar tirar a gente mais uma vez.”
A atual casa dele foi uma das dezenas que foram pegas de surpresa com demarcações a partir de março em comunidades do Fragoso. A situação tem causado pânico na região, visto que estão previstas 97 desapropriações de imóveis para construção da lagoa, segundo a Prefeitura de Olinda, sem que os moradores saibam quem de fato será afetado.
“Tiraram-me de lá e agora estou aqui, no mesmo estado. A conversa é que vai esticar mais a lagoa, e ninguém sabe como é. A gente não tem moradia digna, porque saem tirando. O valor que pagam é pouco, não dá para nada. Estamos sem sossego. Querem que a gente vá para uma favela?”, questiona o pedreiro.
Por enquanto, Lindemberg está impedido de continuar a construção da própria casa, ainda inacabada. Isso porque, como já foi medida, se for uma das que serão demolidas terá indenização baseada no relatório já colhido no dia da visita das equipes do poder público. Ou seja, ele não receberia a mais por nada que acrescentasse na residência.
A Lagoa do Fragoso, que custará R$ 4,5 milhões, tem previsão de término em 12 meses a partir do início dos serviços. Ela auxiliará a reduzir inundações das redondezas, que sofrem com alagamentos nos períodos de chuva intensa. A Prefeitura de Olinda explicou que uma empresa já venceu a licitação, mas que aguarda a autorização do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para dar início aos trabalhos.
Atualmente, a Companhia Estadual de Habitação e Obras de Pernambuco (Cehab-PE) realiza um estudo de impacto da desapropriação da área, mas a execução será pelo município, que é o responsável pelas obras da lagoa de retenção e, por sua vez, afirmou que não será necessária nenhuma desapropriação na primeira frente de trabalho.
Para cobrar respostas, uma comissão de moradores convocou reunião com o órgão, marcada para a próxima segunda-feira (23). "Aqui não tem barraco, são casas construídas com muito sacrifício, e ninguém nos diz a verdade", reclamou o aposentado Daniel Ferreira, 48.
Atraso nas obras da Bacia do Fragoso
Anteriormente, eram previstas duas lagoas, mas o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) desaconselhou que a do "Ouro Preto" fosse construída devido ao alto volume de desapropriações previsto. Ambas estavam inseridas no projeto de urbanização da Bacia do Fragoso, como uma contenção para o Canal do Fragoso, tocado pelo Governo do Estado, cujos serviços, iniciados em 2013, seguem sem prazo para serem concluídos.
O auditor Alfredo Montezuma, que fiscaliza as obras no TCE, aponta que o "o grande problema do atraso são justamente as desapropriações", e pede a responsabilização do controle urbano da Prefeitura de Olinda na região.
"Nem todo mundo está nessa situação de morar há décadas em um local precisar sair. Quando vemos imagens de drone do Fragoso comparando com o passar dos anos, vemos uma expansão da ocupação. Por isso criticamos a prefeitura, porque se não fizer um controle adequado, vamos ficar enxugando gelo. Desapropriam, não atacam logo e as pessoas invadem novamente", disse.