A construção da Ponte Engenheiro Jaime Gusmão, que ligará o bairro do Monteiro ao da Iputinga, prevê quase cinco vezes mais desapropriações de imóveis do que o que foi divulgado até então pela Prefeitura do Recife. Além das 53 iniciais, estima-se que mais 255 famílias vão precisar deixar as casas onde moram para que as obras sejam executadas.
A informação consta no documento enviado pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB) à Defensoria Pública de Pernambuco (DPPE) — ao qual o JC teve acesso.
A obra foi dividida em duas etapas. A primeira, já licitada e iniciada com orçamento de R$ 27 milhões, é a construção da ponte em si. Nela, segundo a URB, 53 famílias serão impactadas. Dessas, metade já aceitou os valores de indenização propostos pela gestão municipal, e a outra metade continua negociando.
A segunda etapa é a do anel viário adjacente à ponte, cujo projeto se encontra em fase de análise do orçamento para abertura de licitação, com recursos oriundos do município e de financiamento da Caixa e do Banco do Brasil. É nesta fase onde ocorrerá o maior volume de retirada de casas — cerca de 255.
Atualmente, o equipamento já vem enfrentando resistência por moradores da Zona Especial de Interesse Social (Zeis) Vila Esperança/Cabocó, localizada no Monteiro, que se recusam a deixar a comunidade. Eles, atingidos pela primeira etapa das obras, já contaram seus dramas a esta reportagem diversas vezes.
A principal demanda da Vila Esperança, que teve as casas marcadas sem ser comunicada sobre o que aconteceria, é permanecer no local. Mas, diante dessa impossibilidade, que sejam pagos valores justos pelos imóveis. O principal entrave para isso é que mesmo as famílias que vivem na Zeis há décadas nunca receberam o título de posse do terreno.
“Legalmente, eles já teriam direito a ser proprietários pelo tempo que vivem ali e pela consolidação das casas. Mas, pela falta da formalidade, quando o poder público vai desapropriar, leva em consideração só o valor da benfeitoria, não da propriedade (da terra), que fica em um bairro valorizado da cidade”, disse o defensor José Fernando Debli.
Isso faz com que gente como a aposentada Raquel Dalzy, por exemplo, que nasceu e vive na Vila Esperança há 64 anos em um terreno de 175m² com quintal, piscina e área para lazer, tenha a casa avaliada em R$ 240 mil pelos técnicos. Já a maquiadora Maria Helena Vicente recebeu proposta de R$ 73 mil pela casa de 108m².
Quem não aceitou os valores oferecidos se organiza em um coletivo de moradores para cobrar mudanças no projeto. À frente disso, está a assessoria técnica popular CAUS Cooperativa, coordenada pelo arquiteto e urbanista Vitor Araripe. Ele defende que seja repensado o traçado inicial da ponte, cuja construção começou em 2012 e passou sete anos paralisada, até ser retomada em setembro de 2021.
“Estamos pensando em alternativas de readequação do projeto, discutindo a proposta anterior, que não tinha tantas remoções e era menos impactante. O que a gente acha é que esse tipo de projeto, nessa magnitude, não pode ser empurrado goela abaixo dos moradores”, pontuou.
Debli, que defende judicialmente os interesses da comunidade, foi quem enviou o ofício à URB questionando detalhes sobre as obras que nunca haviam sido divulgados. Mesmo assim, ainda há questões a serem respondidas.
“Não vi um levantamento específico e detalhado em relação a quantas famílias constam ali. Pelo que tivemos acesso, a Prefeitura detalhou qual seria o impacto para a construção da ponte”, disse ele. “Fica um receio na comunidade de que haja uma série de desapropriações desnecessárias. O que os angustia é que não há uma definição da malha viária”, completou.
A DPPE pede pela entrega formal da propriedade da terra, para que as indenizações correspondam ao valor real dos imóveis, e questiona a necessidade do avanço das obras diante do impacto na vida de mais de 300 famílias.
“Se houver documentos robustos que indiquem que a Prefeitura pode finalizar a malha viária por outro local que não pela comunidade, pensamos que seria possível contestar o caminho que a obra tem seguido. O interesse não é só econômico, mas de quantas pessoas vão ser afetadas.”
Um mês após ampla pressão da população, a gestão municipal anunciou, em outubro de 2021, um conjunto habitacional para os moradores desapropriados. A construção está prevista para aqueles que não vão receber indenização.
Segundo a Prefeitura, ele será formado por dois blocos com térreo e mais quatro andares, um com 40 unidades e o outro com 35, e apartamentos com área de aproximadamente 40 m² e dois quartos, além de creche, horta, pomar, playground, bicicletário, espaço para coleta seletiva e equipamentos para eficiência energética.
Devem ser disponibilizados 75 apartamentos às famílias — um número muito abaixo do total de desapropriações, ainda que a maioria dos antigos moradores não o escolham para morar. No ofício enviado pela URB, a gestão afirma que serão priorizadas as famílias que estão no auxílio moradia, mas não deu prazo de entrega da obra, que está com projeto "em fase de elaboração".
"Não há um avanço concreto de que essa construção se dê em um momento breve para dar segurança aos moradores. O receio deles é de que permaneçam no auxílio de R$ 300, que é insuficiente para uma moradia digna, e nunca se construa um habitacional", declarou Debli.
Em nota enviada ao JC, a Autarquia de Urbanização do Recife (URB) informou que as obras da ponte Jaime Gusmão e do habitacional Vila Esperança requerem a desapropriação de 53 imóveis no bairro do Monteiro, dos quais 27 moradores já concordaram com os valores oferecidos e receberam o pagamento. As demais continuam em fase de negociação.
A Prefeitura do Recife informou ainda que, para compor a integração entre os dois bairros, a gestão municipal "realizará a adequação do sistema viário para composição da semiperimetral, que ligará a Avenida Maurício de Nassau (Paralela da Caxangá) e a Avenida 17 de Agosto".
Segundo a prefeitura, esta obra incluirá a requalificação de diversas vias do entorno nas duas margens, totalizando 4,5 km. A nota diz que o projeto executivo do sistema viário está em processo de desenvolvimento e as licitações da obra devem ser iniciadas este ano. A gestão municipal não cita as novas desapropriações.
O JC também questionou a prefeitura sobre a entrega da propriedade da terra às famílias, assim como sobre o fato do habitacional - que ainda não foi construído - não comportar todas as famílias que serão retiradas do local. Apesar disto, a reportagem não recebeu essas respostas.
Leia a íntegra da nota da Prefeitura do Recife:
"A Autarquia de Urbanização do Recife (URB) informa que as obras da ponte Jaime Gusmão e do habitacional Vila Esperança requerem a desapropriação de 53 imóveis no bairro do Monteiro, dos quais 27 moradores já concordaram com os valores oferecidos e receberam o pagamento. As demais continuam em fase de negociação.
Para compor a integração entre os dois bairros, a Prefeitura do Recife realizará a adequação do sistema viário para composição da semiperimetral, que ligará a Avenida Maurício de Nassau (Paralela da Caxangá) e a Avenida 17 de Agosto. Esta obra incluirá a requalificação de diversas vias do entorno nas duas margens, totalizando 4,5 km. O projeto executivo do sistema viário está em processo de desenvolvimento e as licitações da obra devem ser iniciadas este ano.
O novo projeto da Ponte Jaime Gusmão, agora orçado em R$ 38 milhões, representa uma economia para os cofres públicos de 20% em cima do valor atualizado do projeto anterior, de R$ 48 milhões. A abertura de espaço exclusivo para bicicletas é uma novidade do atual projeto, que não estava previsto no anterior. Não será mais necessária a demolição da Escola Estadual Silva Jardim, que atende as famílias da região, como previa o projeto anterior. Além disso, a Praça do Monteiro será preservada. A nova estrutura é bem mais adequada ao local e dispensa a construção de escoramento dentro do leito do rio, pois está sendo executada por meio do método de balanços sucessivos, trazendo um ganho ambiental para a comunidade.
A Prefeitura do Recife vai construir um conjunto habitacional, com 75 apartamentos, como opção para as famílias residentes na Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Vila Esperança/Cabocó, no bairro do Monteiro, que serão afetadas pela construção da ponte Jaime Gusmão. Além disso, a comunidade ganhará também uma creche, formando um complexo que receberá o nome de Vila Esperança. Os equipamentos serão construídos num terreno próximo ao limite da ZEIS. Os apartamentos terão dois quartos, com área de aproximadamente 40 m2. No momento, o projeto do habitacional está em fase de elaboração."