Roberto Burle Marx aprendeu a amar plantas no jardim de casa, cultivando-as junto à mãe pernambucana e, talvez por esse afeto construído, fez delas sua porta de entrada para a imortalidade. Capaz de entender como o verde contribuía para a vida urbana, teve o Recife como cenário de seus primeiros jardins - cidade que hoje tem o legado de um dos mais importantes paisagistas da história manchado pela descaracterização.
Isso porque os principais jardins que levam a assinatura do paisagista na capital pernambucana estão marcados pela falta de conservação e de preservação da vegetação original. Até mesmo a famosa Praça de Casa Forte, no bairro de mesmo nome, o primeiro projeto de jardim público dele, de 1934 - que, mais tarde, se tornaria um dos seis atualmente tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
“Está com muitas falhas, várias partes sem vegetação, e falta cuidado com os canteiros. Há parasitas que se espalham e que prejudicam as ninfeas, planta da família da vitória régia, e muito lixo espalhado”, denuncia a arquiteta e urbanista Ana Rita Sá Carneiro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), uma das principais pesquisadores sobre a obra do pais no país.
A praça integra o conjunto de Jardins Históricos do artista na cidade, formado por 15 obras. “Não tem nenhuma em bom estado”, cravou Ana Rita. As decisões sobre as mudanças estruturais dos jardins cabem ao Iphan, nos seis tombados, e à gestão municipal, as manutenções, em todas elas.
Uma das que mais preocupam, hoje, é a Praça Faria Neves, de 1958, que, por ser próxima ao Parque Estadual de Dois Irmãos, constantemente está tomada por lixo e por brinquedos infláveis sem ordenamento, que arrancam até mesmo a grama de partes do equipamento. Ela é a única atualmente adotada por uma empresa, que, em convênio com o município, deve cuidar de seu estado.
"A cidade continua sem jardineiros para os jardins. Essa é uma questão séria que insistimos tremendamente e é uma grande lacuna da Prefeitura, que termina colocando todas as expectativas nos adotantes. Fica um serviço terceirizado, sem orientação e fragmentado", opinou Ana Rita.
Arquiteto e paisagista, Luiz Vieira, também da UFPE, pede pelo resgate do Complexo Salgadinho, em Olinda, projetado por ele junto a Burle Marx e a Acácio Borsoi, além da restauração da Praça do Arsenal da Marinha, no Bairro do Recife. “A do Arsenal era totalmente diferente de hoje. Ele viu ali um espaço público para as pessoas estarem, um canteiro central com vegetação de restinga e as árvores ao redor. Mas nos anos 70 foi reformada, tornando-se uma praça mais tradicional, que não tem muito uso”, comentou.
Ainda, defendeu o desengavetamento do Centro Urbano do Curado, pensado em 1998 também pelo trio, mas que nunca saiu do papel. “Seria um parque completo que atenderia a toda população dos arredores, mas ficou pronto e não foi executado. Teria um grande lago, uma escola primária, igreja, área comercial, jardim aquático, anfiteatro e área esportiva. É importante resgatá-lo e adaptá-lo para hoje”, apontou.
A em melhor estado de conservação, para Ana Rita, é a Praça Euclides da Cunha, de 1935, na Madalena, Zona Oeste da cidade, popularmente conhecida como Praça do Internacional. Isso porque, nela, são mantidos os espécimes escolhidos pelo artista, que se inspirou na obra Os Sertões para trazer a vegetação nativa da caatinga, como macambiras, mandacarus e xiquexiques.
“Recife teve essa grande conquista de ter seus projetos modernistas que marcaram a paisagem da cidade. Cada vez mais precisamos de vegetação e dos espaços públicos”, disse Vieira. Para sobretudo honrar o que o próprio Burle Marx pensava: “o paisagista projeta para as gerações futuras” - já que uma muda, quando plantada, só se torna uma árvore frondosa décadas depois; enfim concretizando a imagem sonhada pelo artista.
A Prefeitura do Recife pontuou que, nos últimos anos, realizou a requalificação do conjunto de Jardins Históricos de Burle Marx, sob o investimento de mais de R$ 2,8 milhões e que foi a primeira capital a elaborar um Plano de Gestão para os seis jardins históricos tombados. Afirmou também que a Emlurb limpa os espaços diariamente e que o Comitê realiza reuniões semanais sobre todas as 15 praças. Veja a resposta completa no final da matéria.
A partir deste domingo, comemora-se a Semana Burle Marx, uma iniciativa promovida pela Prefeitura do Recife há 14 anos para disseminar a importância do paisagista na cidade. Neste domingo, a programação ocorre no Econúcleo Jaqueira, com a contação de história: “Uma Planta de Estimação.”
No dia 24 de agosto, o Laboratório de Paisagem levará os estudantes de uma escola estadual para um passeio na Praça Ministro Salgado Filho, de 1957, que foi abandonada desde a desativação do Aeroporto do Recife, nos anos 2000. Sem o fluxo de passageiros, ela perdeu o movimento, a vegetação e o objetivo para o qual foi criada - de ser um anteparo ao prédio.
Em 26 de agosto, o Museu da Cidade do Recife promoverá a oficina “Pensar a Praça: desenhos, escritos e outras inspirações”, voltada para toda a família. Com duração de 20 minutos, a atividade será oferecida das 10h às 16h, durante a visitação ao museu.
Lá, o público vai conhecer um pouco sobre as praças e jardins públicos que Roberto Burle Marx criou na cidade do Recife, além de produzir seu próprio “caderno botânico”, inspirado nos projetos do paisagista, que completaria 113 anos no último dia 4 de agosto.
"A Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) informa que, nos últimos anos, a gestão municipal realizou a requalificação do conjunto de Jardins Históricos de Burle Marx, formado por 15 espaços públicos. Desse total, apenas a Praça Faria Neves está adotada, pelo LAFEPE.A reforma destes equipamentos contou com investimentos de mais de R$ 2,8 milhões. Todas as ações foram executadas pela Emlurb, sempre respeitando o traçado original elaborado pelo paisagista. As intervenções incluíram ainda a recuperação paisagística com o tipo de vegetação estabelecida por Burle Marx.
A Prefeitura informa ainda que, desde 2018, a capital pernambucana foi a primeira do Brasil a elaborar um Plano de Gestão para os seis jardins históricos do Recife tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Com isso, esses espaços contam com planos de gestão com o detalhamento das regras de preservação. São eles: as praças Euclides da Cunha, no bairro da Madalena; a de Casa Forte; a do Derby; a da República com jardim do Campo das Princesas, no bairro de Santo Antônio; a Salgado Filho, em frente ao Aeroporto do Guararapes; e a Faria Neves, em Dois Irmãos. Atualmente, o Comitê, coordenado pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SMAS), realiza reuniões semanais e atua na linha da educação patrimonial, no acompanhamento, discussões sobre gestão, manutenção, e elaboração dos Planos de manejo de todas as 15 praças dos Jardins Históricos.
A Emlurb esclarece ainda que esses espaços recebem ações de limpeza diariamente, tanto por meio de um funcionário fixo, quanto pelas equipes volantes que periodicamente fazem um reforço nessas ações. Os serviços de jardinagem são realizados sob a orientação de engenheiros agrônomos da autarquia."