O acidente com um caminhão que, ao atingir a fiação aérea na noite dessa segunda-feira (19), danificou sete postes de energia no bairro de Campo Grande, Zona Norte do Recife, retoma a discussão sobre os fios emaranhados da cidade - um problema que possui muitas faces, que afetam desde a segurança e o bem-estar da população até a paisagem urbana.
O caso trouxe transtornos para grande parte dos moradores ao redor, que passou a madrugada sem energia elétrica. “Eu estava no sofá com a minha esposa quando escutei o primeiro estrondo. Corri para o portão e, nessa hora, a carreta estava passando pela minha porta, levando fio de alta tensão, de internet. Foi fogo que parecia que o mundo ia acabar", contou o motorista Alexandre Henriques.
De tempos em tempos, a desorganização dos fios resulta em casos como esse, quando não choques elétricos e até mortes. Só neste ano, por exemplo, a Câmara Municipal protocolou 11 requerimentos pedindo para que o poder público se atentasse à má disposição da rede em diferentes pontos da cidade.
O engenheiro eletricista e professor da Universidade de Pernambuco (UPE) Roberto Dias, que estudou a viabilidade da implantação de redes de distribuição subterrâneas no Recife, explicou que a maioria dos postes de energia elétrica do Recife é usada também para a de telecomunicação - a maior causadora do que chama de “caos” na fiação que os interliga.
“É pouco provável que o caminhão seja capaz de tocar diretamente na rede de distribuição de energia, porque é mais alta. Ele atinge a rede de telefonia, que no Recife é caótica e mais próxima do chão”, afirmou o especialista. Ele considera necessária uma maior fiscalização e manutenção das redes, porque, “com o tempo, o peso dos condutores, o vento e a chuva fazem os fios cederem e ficarem mais baixos.”
Por nunca ter visto ou vivido em uma realidade diferente, há problemas da cidade cuja população se acostuma a ponto de achá-los fúteis em relação aos demais. É o que acontece com os fios na capital pernambucana e o que o arquiteto e urbanista Luiz Vieira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), chama de “paisagem invisível”.
Uma opção, utilizada em larga escala em capitais europeias, como em toda Paris, por exemplo, é a fiação embutida - instalada por baixo do piso. Em toda o Centro de São Paulo, a fiação é subterrânea há mais de 20 anos, assim como em Buenos Aires, na Argentina. Na capital pernambucana, apenas quatro ruas do Bairro do Recife a possuíam até o último ano: a Rua Madre de Deus, Rua da Moeda, Rua do Bom Jesus e Avenida Rio Branco.
“Os fios interferem muito na paisagem, que chamamos de ‘invisível’, porque os vemos tanto, que já não vemos mais; mas são terríveis para a cidade em termos de poluição visual” - pontuou Vieira, que continuou - “ao mesmo tempo, embutir é caro, tem que ser feito devagarinho, mas é importantíssimo fazê-lo”, opinou ele, que sugere começar a embuti-los pelas áreas históricas da cidade.
O Bairro do Recife, por exemplo, ganhou previsão de ter o embutimento ampliado a partir do segundo semestre de 2022 em toda sua extensão no lançamento do Programa Recentro. A Prefeitura foi contatada pelo JC para saber se o prazo se mantém, mas não respondeu até a publicação desta matéria.
Projeto de lei vetado
No último ano, a Prefeitura do Recife vetou o projeto de lei do vereador Eriberto Rafael (PP) que pretendia organizá-los debaixo da terra em até 10 anos. Ele impunha que a iniciativa privada deveria embutir, arcando com as despesas, toda a fiação na extensão das Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPHs) garantindo a implantação de 10% a cada ano.
À época, a gestão alegou haver necessidade de aprofundar estudos técnico-financeiros e ter uma análise gerencial mais cuidadosa quanto ao prazo e condições estabelecidas.
Um grande impedimento para que a medida seja implementada em larga escala é o elevado custo da instalação - considerada entre 4 a 20 vezes mais caro que o da aérea -, apesar de se gastar menos com manutenção. Todavia, segundo Roberto, há opções mais baratas e mais seguras a serem adotadas hoje a fim de pelo menos evitar os acidentes como o visto nessa segunda.
“Há outras tecnologias de rede de distribuição que são menos suscetíveis a esse tipo de ocorrência. A que usamos atualmente deixa os condutores sem capa, o que barateia os custos de distribuição. Mas a tecnologia compacta, usada em partes do Recife, é mais resistente”, comentou.
O que diz a Neoenergia Pernambuco
Por nota, a Neoenergia Pernambuco alegou que tem trabalhado para restabelecer a a energia elétrica para os clientes afetados em Campo Grande, e que “projetos de fiações subterrâneas devem ser liderados pelo poder público para obter efetividade”. Confira nota completa:
"Após o caminhão atingir e tracionar a rede de telefonia, no Bairro de Campo Grande, na noite da segunda-feira (19), sete postes foram danificados. A Neoenergia Pernambuco restabeleceu, remotamente, em cinco minutos, a energia para 20% dos clientes afetados. Em uma hora de atuação, 90% dos usuários já estavam com o fornecimento normalizado. Cerca de 660 clientes tiveram o suprimento de energia normalizado no início da manhã desta terça-feira (20), depois dos reparos realizados nas estruturas.
Por uma questão de ordenamento urbano e competência institucional, projetos de fiações subterrâneas devem ser liderados pelo poder público para obter efetividade. O embutimento de cabos de telefonia, internet, TV por assinatura e energia elétrica requer o mapeamento do solo da cidade para escavações de calçadas e vias públicas, o que, inevitavelmente, provoca interferência no contorno urbano e gera impactos socioambientais.
A Neoenergia Pernambuco informa que está à disposição para colaborar ativamente junto aos órgãos e instituições públicas nos estudos que possam viabilizar o embutimento das redes. A concessionária ressalta, entretanto, que os projetos a serem colocados em prática deverão estar em consonância com a legislação federal que regula o setor elétrico nacional."
O que diz a Conexis
As prestadoras de serviços de telecomunicações seguem os padrões estabelecidos em regulamentos e normas técnicas para a instalação de fios e cabos nos postes e mantêm equipes de prontidão para manutenção permanente e atendimento de eventuais emergências.
Os cabos, de uma forma geral, por ficarem suspensos nos postes estão sujeitos a todo tipo de ação, como ventania, acidentes, vandalismo, roubo, que podem exigir reparos, que são realizados pelas empresas.
O que diz a Prefeitura do Recife
"A Prefeitura do Recife informa que o projeto de embutimento da fiação aérea do Centro do Recife está concluído e segue em fase de ajustes finais de financiamento com a Neoenergia. A Avenida Rio Branco, no Bairro do Recife, foi a primeira localidade a receber as melhorias, que fazem parte de um projeto de transformação do local com a restauração das calçadas e a transformação do passeio público em um espaço destinado exclusivamente à circulação de pedestres e modais não motorizados.
Em maio deste ano foi assinado um convênio com a Neoenergia para a instituição do Projeto Fio a Fio, que visa combater as ocupações irregulares nos postes na cidade - inicialmente na área do Centro Expandido. À Neoenergia cabe o trabalho técnico de erradicação dos fios. A Prefeitura do Recife, por sua vez, garante a estrutura necessária para a realização e sucesso da ação. O objetivo é remover fiações clandestinas e, com isso, evitar riscos de acidentes e incêndios na rede. Desde então já foram vistoriados 196 postes e retiradas 13,7 toneladas de fios.
A fiscalização da rede de telecomunicação é de responsabilidade da concessionária de energia."
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