O governo de Pernambuco decidiu, em reunião realizada na tarde desta segunda-feira (21), manter a doação de 8 mil m² do Espaço Ciência para instalação de um centro tecnológico. Em compensação, informou que publicará nesta semana a cessão de 10 mil m² do lado pertencente a Olinda do Memorial Arcoverde, onde o museu está instalado, para realocação dos equipamentos presentes na área afetada.
A proposta já havia sido informada à imprensa, mas não agradou a direção do museu, que explicou que afetaria a didática cronológica, já que cada espaço foi pensado para um melhor aprendizado. No domingo (27), a partir das 13h, haverá uma mobilização no Espaço Ciência contra a doação.
"Quem pensou nisso não tem noção do que é o Espaço Ciência, nem do que é um museu. Isso é uma falácia - inventaram para tentar se livrar [das críticas]. Isso nunca foi acordado", pontuou o diretor, Antônio Carlos Pavão.
Em entrevista ao JC, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, Fernando Jucá, garantiu que o governador entendeu a necessidade de acomodar todas as partes e equipamentos do Espaço Ciência. "Não haverá a perda de um metro quadrado sequer", afirmou.
O local foi doado para a Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (ADEPE) para que uma empresa privada possa instalar um data center - centro de processamento de sistemas computacionais de uma empresa ou organização - e um “landing station” para receber cabos submarinos.
Jucá afirmou que a área inscrita no museu é a única possível em Pernambuco para implementação dessas tecnologias. “A única brecha que temos entre os arrecifes naturais e o Cais artificial é aquela área, caindo no Espaço Ciência. Ou chega por ali, ou não vai existir cabo submarino em Pernambuco".
O secretário chamou atenção para a importância dos cabos, e que, caso não haja acordo com o museu, o recebimento deles será cancelado.
"Se ninguém quiser cooperar com esse grande avanço, que é prover Pernambuco com a autonomia de ligação internacional, aumentar a velocidade da internet para 72 terabytes por segundo, cancelamos a chegada do cabo e ficamos na mão do Ceará e de São Paulo, pagando mais caro”, disse.
Em fevereiro deste ano, o Governo do Estado publicou uma notícia informando sobre a instalação de um Data Center no Espaço Ciência, e que seria fundamental para "promover a conexão de Pernambuco ao cabo submarino SeaBras-1, garantindo ao Estado internet global de alta, baixa latência e menor custo de contratação", com expectativa de faturamento de R$ 320 milhões ao ano.
O diretor do museu esteve presente durante a visita de técnicos e afirmou ter concordado com a instalação, já que agregaria valor à própria exposição, mas que não sabia ou aceitou que parte do equipamento fosse desmembrado. Nesta semana, entretanto, recebeu um e-mail para retirada com urgência dos objetos presentes nos 8 mil m² doados.
Jucá, todavia, esclareceu que a intimação foi enviada de forma indevida pela empresa que deve instalar o "data center", e que sequer há um projeto finalizado. "A Adepe pediu para a empresa se retratar, porque houve uma interferência indevida", disse Jucá.
Ainda, garantiu que nenhum equipamento será retirado das dependências atuais do museu até que o projeto seja aprovado. "Não vai ser retirado nada até que tudo fique claro. Estamos tomando as providências para organizar tudo", afirmou o secretário.
Em nota oficial, o Espaço Ciência alegou que "não se trata apenas da perda ou troca de um pedaço de terra, mas de uma intervenção num projeto museológico, que tem base em contribuições de Burle Marx e de especialistas em museologia científica. É um projeto estudado e analisado, com participação de consultores nacionais e internacionais, que organiza o Museu em cinco áreas temáticas, que culminam justamente na área Espaço, a que agora pretendem doar".
Nesta manhã, diversas entidades se reuniram na Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (ADUFEPE) para organizar manifestações contra a medida. “Tivemos a orientação de fazer um documento de apoio ao Espaço Ciência pedindo pela revogação da lei. Já os estudantes vão mobilizar a causa nas redes sociais”, afirmou Pavão.
Participaram da conversa, além da ADUFEPE, a Associação Amigos do Espaço Ciência, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Pernambucana de Ciência, a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), entre outras.
O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano. Ele é dividido em cinco áreas: água, movimento, percepção, terra e espaço - sendo a área chamada “espaço” a atingida pela medida. Nela, são desenvolvidas várias atividades de divulgação científica como confecção e lançamento de foguetes, oficinas, observação do Sol.
Nessa parte, ainda há equipamentos como o Avião Xavante, maquete do VLS-Veículo Lançador de Satélite, Giroscópio Humano, para atividades de Arvorismo, minifoguete, busto de Santos Dumont, edifício de Apoio, ponte sobre o Canal, pista de aviação, dentre outros.
A Academia Pernambucana de Ciências (APC) publicou uma nota considerando a doação como “inaceitável”. “O Espaço Ciência tem um papel extremamente relevante na educação cientifica, na difusão e popularização da ciência, sendo objeto de cooperações com escolas públicas de Pernambuco e espaço de formação cidadã dos estudantes desde o ensino básico ao ensino superior”, pontuou.
A falta de informações sobre as mudanças no Espaço Ciência, localizado no Memorial Arcoverde, entre o Recife e Olinda, ainda preocupa arquitetos e urbanistas envolvidos com o projeto original. Ele é, hoje, uma das poucas partes preservadas do projeto idealizado pelos renomados paisagista Burle Marx e arquiteto Acácio Gil Borsoi em 1986 - e que nunca foi finalizado pelo Governo de Pernambuco.
Co-autor do projeto, o arquiteto e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luiz Vieira, afirmou que ele está inscrito em uma área de proteção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que não permite a construção de imóveis na área verde. “É um patrimônio da humanidade, paisagístico, arquitetônico e urbanístico.”
Junto a Vieira, o também arquiteto Antônio Borsoi adaptou o projeto do pai e o transformou no Espaço Ciência. Ele conta que o Iphan deu uma autorização para a construção de pequenas edificações em caráter excepcional, pela “causa nobre” delas.
“Fizemos um conjunto que lembra uma grande coberta para desenvolver atividades de ensino e de reflexões, simples e vazadas. Qualquer ameaça de outras construções nessa área vai desfigurar o espaço”, disse.
Especialista em paisagem, a arquiteta e também professora da UFPE Ana Rita Sá Carneiro explica que o vazio ali existente é necessário para “conectar e ao mesmo tempo separar as duas cidades”. “Não sabemos que escala haverá, mas sempre houve a necessidade de não haver edificações. Deveríamos preservar ao máximo aquele espaço”.
Em 2020, a Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur) garantiu, em reportagem do JC, que um plano de requalificação do Memorial Arcoverde estava em andamento. Atualmente, todavia, o espaço permanece degradado e subtulizado, sem qualquer mudança aparente.