Mundialmente, a pandemia de covid-19, e localmente, os temporais que no meio deste ano deixaram 132 mortos em Pernambuco, evidenciaram a necessidade de cada vez mais o homem cuidar do planeta. Problemas que tiveram relação com a forma como estamos tratando a natureza. Neste início de ano, quando normalmente ficamos mais suscetíveis a rever ações, planejar metas e reorganizar práticas, é urgente colocar a sustentabilidade na agenda individual e coletiva.
Cada brasileiro produziu, em média, um quilo de lixo por dia em 2022, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2022, da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Nacionalmente, durante esse ano, foram aproximadamente 81,8 milhões de toneladas, o que corresponde a 224 mil toneladas diárias. Em Pernambuco, a produção de resíduos sólidos somou quase 6 mil toneladas por dia, conforme relatório do Tribunal de Contas do Estado.
De três gerações diferentes, a professora Risoneide Morais, 64 anos; o policial militar José Edson Pereira, 41; e a bióloga Laís Araújo, 25, contribuem para diminuir os impactos causados pelo descarte do lixo.
Risoneide com um trabalho educativo numa escola pública de Brasília Teimosa, na Zona Sul do Recife e na produção de biojóias com casca de sururu; Edson nas ruas do Alto José Bonifácio, na Zona Norte da capital; e Laís com diversos mutirões de catação de lixo, sobretudo plástico, em cidades da Região Metropolitana do Recife.
São três décadas em sala de aula, no mesmo bairro. A professora Risoneide Morais acompanha há 30 anos as mudanças em Brasília Teimosa, comunidade à beira mar que por muito tempo conviveu com palafitas e que abriga pescadores e marisqueiros que retiram do mar a sobrevivência financeira. Leciona geografia na Escola Técnica Estadual João Bezerra. É lá que ela conscientiza, dia a dia, adolescentes do ensino médio sobre a importância de cuidar do ambiente em que vivem.
Risoneide gosta de levar os estudantes para a Bacia do Pina, que fica próxima da escola, para aulas de campo. "Procuro mostrar a eles o impacto que o lixo tem na natureza. Dentro da cadeia produtiva dos mariscos, o descarte incorreto da casca do sururu na margem do rio, por exemplo, polui o solo, deixando-o compacto. Isso impede o crescimento da fauna e da flora no mangue. Também atrai roedores e insetos, o que pode provocar doenças", explica a professora. Ela também reflete com os alunos sobre a ocupação do espaço urbano do bairro e a importância da arborização.
Em 2018 Risoneide iniciou, junto com o professor de química, o projeto Sururu, nada se perde, tudo se transforma, realizado com os alunos do curso técnico integrado em gastronomia e alimentos. A casca do sururu é triturada e depois misturada com gesso. Em seguida, colocada em placas 3D que viram objetos de decoração. O projeto já foi apresentado em várias feiras de ciências, inclusive fora do Brasil. "Fomos para o Equador e a Inglaterra", conta Risoneide.
Em 2020, com a pandemia de covid-19, a professora passou o ano todo em casa. Coincidiu com o período em que se aposentou. Foi quando teve a ideia de usar a mesma técnica da casca de sururu, mas trocando o gesso por resina, para fabricar bijouterias. "Estava sem fazer nada e precisava ocupar o tempo. Comecei a experimentar. Trituro as cascas do sururu, higienizo, macero com um pilão e misturo com resina. Faço as peças nos fins de semana", explica Risoneide, que voltou para sala de aula em 2021, desta vez como professora com contrato temporário.
A marca criada por Risoneide, Mytella, foi uma das seis escolhidas para participar de uma ação do Instituto JCPM, braço social do Grupo JCPM, em parceria com o Shopping RioMar e a empresa Roda. Batizada de Pinosa Moda Sustentável, a iniciativa juntou seis marcas cujas coleções tiveram a preocupação em desenvolver produtos de forma sustentável.
"Escola é lugar de reflexão, de promover mudanças. Conscientizo meus alunos sobre a necessidade de cuidar do planeta. E fico feliz que a partir de uma experiência que nasceu nela criei uma nova fonte de renda e que também tem a preocupação com o meio ambiente"
Toda vez que chovia muito no Recife, moradores da Rua Ary Peter, no Alto José Bonifácio, Zona Norte da capital, sofriam com o alagamento da via. A quantidade de lixo atrapalhava o escoamento da água. A partir da conscientização sobre o descarte correto do lixo, o cenário mudou. O sargento da Polícia Militar José Edson Pereira, 41 anos, mais conhecido como Ninho, foi um dos que mais contribuiu para mudança de comportamento da população.
Faz seis anos que ele se mudou para essa rua. Há cinco, em janeiro de 2018, criou o projeto Ary Peter Cidadania, que existe até hoje, com educação ambiental. "O caminhão do lixo só ia até a metade da rua. Não conseguia chegar até o final porque havia um ponto de lixo bem no meio. Retiramos. E saímos conversando com os moradores para colocarem o lixo somente no dia certo da coleta, em sacos adequados. Não é fácil convencer, houve muita resistência", conta Edson. "Mas quando começaram a perceber o resultado, mudaram de hábito", diz o PM.
Ele também organizou mutirões de limpeza nas escadarias e pintura do meio fio. Com a chuva e o lixo no chão, a sujeira escoava para um canal. "Em 2018 realizamos sete mutirões. Quase todo mês nos juntávamos para tirar o lixo das ruas e becos e assim evitar que fosse para escadarias. Metralhas deixaram de ser colocadas na rua. Conseguimos que os garis passassem pelas vielas estreitas para recolher os resíduos", comenta Edson.
Foram instaladas lixeiras feitas com garrafão de água mineral. Os moradores passaram a ser estimulados a varrerem suas calçadas. "Criei um grupo no whatsapp com 190 pessoas. Sempre posto mensagens de estímulo, mostro o resultado positivo para nossa rua. Também dou palestras no terraço da minha casa", informa Ninho, que também faz eventos para comemorar datas festivas como Dia das Mães e Dia dos Pais.
O próximo desafio é iniciar a coleta seletiva. "Está no nosso radar. É uma nova etapa que queremos chegar, a separação do lixo para reciclagem", diz Edson. E por que fazer isso? "Gosto de fazer o bem e abracei a ideia da questão ambiental. Tem uma frase de Paulo Freire que ele diz da nossa maneira de estar no mundo e com o mundo. Eu gosto de estar com o mundo, estar presente nas modificações sociais. Faço minha parte. Se cada fizer também teremos um mundo melhor", destaca Edson.
Na casa das gêmeas Laís e Laísa Araújo, 25 anos, na Boa Vista, área central do Recife, ondem vivem com o pai, os resíduos recicláveis são separado e entregues a cooperativas de catadores. Os orgânicos vão para uma composteira e viram adubo para as plantas. Preferem bucha vegetal e sabão de coco na hora de lavar pratos. Quando saem para compras, levam ecobag, optam por produtos a granel, usam canudo reaproveitável.
A adoção de uma rotina sustentável foi mais instensificada depois que Laís ingressou no bacharelado em ciências biológicas, na Universidade de Pernambuco (UPE). "Fui entender o que estava acontecendo no planeta quando entrei num manguezal. Achei que ia encontrar uma grande diversidade e me deparei com muita poluição, muito plástico. Fiquei impressionada com a sujeira no Rio Capibaribe", comenta Laís.
Laísa, embora tenha optado pela graduação em biblioteconomia, costumava acompanhar Laís nas visitas ao mangue. "Ela perguntou: por que não juntar essa galera de biológicas para limpar o mangue?", conta Laís. Proposta feita e aceita. As duas decidiram criar, em 2018, o movimento Xô Plástico. De lá para cá foram 43 mutirões de limpeza no Recife, Olinda e Porto de Galinhas, entre outros locais.
Mais de 3 mil voluntários se juntaram à ideia e retiraram da natureza 6.363.451 quilos. Quando houve o derramamento de petróleo no litoral pernambucano, em 2019, elas juntaram o grupo para limpar as praias. Também fizeram campanha para doações de equipamentos de proteção e água potável para quem colocou a mão na massa.
"É um trabalho de formiguinha. Não começamos lixo zero da noite para o dia, é um processo que se constrói aos poucos. É bom para nossa casa, para a cidade, para o planeta. A mudança se inicia com cada um", observa Laís, que também parou de comer carne.