HABITAÇÃO: MPPE recebe denúncias de coerção da Prefeitura do Recife contra comunidade

Órgão recomendou que a Prefeitura do Recife somente desaproprie residências em comunidade com a presença da defesa dos moradores
Katarina Moraes
Publicado em 25/01/2023 às 14:46
CONTRÁRIOS Moradores da Vila Esperança querem permanecer no local ou receber um valor maior Foto: ALEXANDRE AROEIRA/ACERVO JC IMAGEM


O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) publicou, nesta quarta-feira (25), uma recomendação para que a Prefeitura do Recife somente negocie as desapropriações de imóveis na Vila Esperança, no bairro do Monteiro, Zona Norte da cidade, com a presença de um defensor público ou de um advogado.

A medida foi tomada após o órgão receber uma série de relatos de coerções da gestão municipal contra os moradores durante o processo, que resistem em deixar a comunidade que está prevista para ser desmembrada e dar lugar à construção da Ponte Engenheiro Jaime Gusmão, a Monteiro-Iputinga.

"Todas as negociações com os moradores do Vila Esperança devem ser realizadas na presença do Defensor Pública do Núcleo de Terras, Habitação e Moradia da Defensoria Pública ou de advogado particular, com prévio agendamento, devendo os agentes municipais abster-se de praticar quaisquer condutas visando induzir o convencimento das pessoas moradores", afirmou.

"O que sentimos nas reuniões é que a Prefeitura muitas vezes acaba assustando os moradores dizendo que se não saírem vai ser pior - mas não necessariamente a não aceitação do acordo vai gerar um prejuízo maior para essas pessoas. Então resolvemos recomendar que só negocie com a presença do defensor para que não tenham medo de reivindicar os seus direitos”, contou o defensor Fernando Debli.

Uma das famílias que alega ter se sentido ameaçada por representantes da Autarquia de Urbanização do Recife (URB) é a da maquiadora Helena Vicente, de 32 anos, que mora na comunidade desde que nasceu.

"Em dezembro enviaram uma carta pedindo para a gente ir negociar no outro dia, mas não somos desocupados e não pudemos ir. Depois, chegaram aqui falando com a minha mãe que se não fossemos, ia ser pior para a gente e perguntando quando o marido dela e a filha - eu - íamos chegar", contou.

"Ela disse que não sabia e que ia encerrar a conversa porque não queria ser grossa - e a funcionária disse que ela podia ser, porque assim, desabafa. Na saída, deu um grito do carro perguntando se já tínhamos chegado", concluiu.

A casa de Helena tem mais de 100m² e é situada em um dos bairros mais valorizados da capital, mas recebeu a proposta de R$ 73 mil por ela. Ao todo, 26 famílias foram indenizadas por um total de R$ 1,3 milhão por parte do município - o que significa o pagamento de, em média, R$ 50 mil por casa.

Ainda, o MPPE alegou que a Autarquia de Urbanização do Recife (URB) enviou informações "inconsistentes, superficiais e insatisfatórias" ao órgão, apesar de ter se comprometido a apresentar informações detalhadas sobre:

A regularização fundiária, possibilidade de suspensão da obra, informações sobre o projeto viário, o laudo sobre a autorização da Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis) e o andamento da licitação para a construção de conjunto habitacional.

A Ponte Monteiro-Iputinga começou a ser construída em 2012, quando cerca de 400 famílias tiveram de deixar o local em 45 dias pela gestão João da Costa (PT), que prometeu a construção de dois habitacionais para realocar as famílias.

Insuficientes, deixou dezenas delas penduradas no auxílio-moradia até hoje, que agosta é de R$ 300. O equipamento ficou emperrado nas duas gestões do prefeito Geraldo Júlio (PSB) após a prefeitura considerar que foi feita de forma equivocada.

Mais de 300 famílias podem ser despejadas no Recife

A retomada das obras foram anunciadas em agosto de 2021 pelo prefeito João Campos (PSB), após nove anos de paralisação, que afirmou, inicialmente, que 58 casa teriam de ser demolidas.

Então, a obra foi dividida em duas etapas. A primeira, já licitada e iniciada com orçamento de R$ 27 milhões, é a construção da ponte em si. Nela, segundo a URB, 53 famílias serão impactadas.

A segunda etapa é a do anel viário adjacente à ponte, cujo projeto se encontra em fase de análise do orçamento para abertura de licitação, com recursos oriundos do município e de financiamento da Caixa e do Banco do Brasil.

É nesta fase onde ocorrerá o maior volume de retirada de casas - em torno de 255, segundo levantamento obtido com exclusividade pelo JC.

Isso em uma região de Zona Especial de Interesse Social (Zeis), áreas de moradia que surgiram espontaneamente por ocupação da população de baixa renda e que, posteriormente, foram protegidas por lei com o intuito de priorizar o direito à moradia a famílias que ali residem há décadas e a inibir a especulação imobiliária.

Apesar disso, tem sido oferecido apenas o valor das construções, mas não do terreno. É isso que a defesa dos moradores tenta combater, alegando que, pelo tempo que vivem ali e pela consolidação das casas, já teriam direito a ser proprietárias da terra.

"É um lugar muito valorizado, com pessoas que moram ali há muito tempo. Temos estudado formas de fazer com que a prefeitura reconheça isso", disse Debli.

Além disso, entender os motivos pelo qual a estruturação da obra previram a retirada de mais de 300 moradias, em vez de pensar em possibilidades menos danosas às famílias.

"Um dos pontos mais importantes é sabermos qual a razão da obra passar no meio da comunidade, trazendo tanto ônus para os moradores, e não na rua ao lado, que é vazia", concluiu o defensor.

A Prefeitura do Recife informou, em nota, que apresentará posicionamento solicitado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) dentro do prazo estipulado.

Com relação às desapropriações das 52 famílias impactadas pelo acesso à Ponte Jaime Gusmão, até o momento 26 famílias já foram indenizadas, representando um desembolso de R$ 1,3 milhão por parte do município e 26 em processo de judicialização, segundo a PCR.

"Além das indenizações já observadas no processo, a Prefeitura construirá um conjunto habitacional com 75 apartamentos destinado às famílias da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Vila Esperança/Cabocó, no bairro do Monteiro. Os equipamentos serão construídos num terreno próximo ao limite da ZEIS e o habitacional será dividido em dois blocos, com térreo mais quatro andares, um com 40 unidades e o outro com 35. Além disso, a comunidade ganhará também uma creche, formando um complexo que receberá o nome de Vila Esperança", garante.

Ponte Monteiro-Iputinga

A Ponte Engenheiro Jaime Gusmão tem estrutura de 170 metros de extensão e integra o projeto do sistema viário dos bairros da Iputinga e Monteiro. Estão sendo investidos R$ 38 milhões e deverão ser beneficiadas diretamente 58 mil pessoas.

A ideia é suprir uma necessidade de interligação entre as duas margens, já que não existe nenhuma ponte para veículos num trecho de quase 5 km do rio.

Para compor a integração dos dois bairros, a Prefeitura do Recife deve realizar também, posteriormente, a adequação do sistema viário para composição de uma semiperimetral, ligando a Avenida Maurício de Nassau (Paralela da Caxangá) e a Avenida 17 de Agosto.

Esta obra incluirá a requalificação de 15 vias do entorno nas duas margens, totalizando 4,5 km.

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