"No inverno já é certo acontecer - anualmente, com morte. Desde que sou criança vejo isso". O relato da empresária Thalita Nascimento, de 34 anos, mostra que o deslizamento de barreira que aconteceu durante as chuvas desta segunda-feira (6) em Olinda não foi um acaso.
Moradora do bairro de Águas Compridas desde que nasceu, Thalita conta que o medo na região é constante e que o o que aconteceu hoje é uma "tragédia anunciada". "Quando acontecem essas chuvas, ainda fora de época, piora. Ano passado teve morte", disse.
Segundo ela, a única ação que vê sendo feita pelo poder público é a colocação de lonas plásticas para evitar as quedas de barreira. A medida emergencial, contudo, não evita os deslizamentos - a barreira que caiu nesta segunda, por exemplo, estava com o material.
"Tem lona, mas nesse local a lona não faz mais efeito. A resposta que dão é sempre essa, e já depois do acontecido", afirmou. Além dos deslizamentos, a comunidade também sofre com alagamentos - que já atingiram a família de Thalita. "Nunca tive vítimas fatais na família, mas já perderam tudo da casa."
O JC identificou que há, de fato, um histórico de acidentes e mortes na mesma barreira. Mesmo assim, o alto nível de risco não foi resolvido no local e deixou, mais uma vez, pessoas soterradas.
Nesta manhã, mais duas casas foram destruídas no local. Em uma, havia um casal - que foi soterrado e socorrido com vida.
Na outra, estavam sete pessoas. A mãe, o pai e uma filha de 9 anos não chegaram a ser soterrados. Os filhos de 13 e 20 anos, sim, e foram retirados com vida pelos bombeiros, assim como o neto de 4 anos. Um filho de 19 anos, chamado Israel Campelo, morreu.
"Eu estava dentro de casa quando a barreira caiu de repente, foi rápido. A grade caiu em mim. Estava eu e meus filhos. Eu o chamei, mas ele ficou dormindo", contou a mãe de Israel, Judite Santos, aos prantos, que teve a cabeça ferida pela queda da grade.
O Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (CBMPE) fez os resgates junto à da Defesa Civil de Olinda.
HISTÓRICO DE DESLIZAMENTOS
A reportagem do JC identificou que, na mesma Rua Seis de Janeiro, no Bairro de Águas Cumpridas, uma casa foi destruída pelo barro em 14 de maio de 2021.
Em 30 de maio de 2016, Alexandra de Moraes, 36 anos, e João Victor de Moraes, de 7 anos, mãe e filho, além da sobrinha Bárbara de Moraes, 23 anos, morreram após serem vítimas da mesma barreira, que fica na Rua do Amanhecer, ao lado da Seis de Janeiro.
Outras duas filhas de Alexandra, Débora e Adrielly, foram resgatadas com vida pelos vizinhos.
CHUVAS DEIXARAM MORTOS EM 2022
Em 2022, Pernambuco computou 133 vítimas em decorrência das chuvas - a maioria por deslizamentos de barreira. Só no Grande Recife, foram 129 pessoas que morreram soterradas ou afogadas.
Do total, seis vítimas eram de Olinda. Uma morreu em Águas Compridas, duas no Córrego do Abacaxi, duas em Peixinhos e uma em Santa Tereza.
O QUE DIZ A PREFEITURA DE OLINDA
A Operação Inverno de Olinda seria divulgada em março de 2023, detalhando as ações que serão tomadas para evitar desastres.
Por nota, a Prefeitura de Olinda informou que cinco pontos da Rua 6 de janeiro terão aplicação de geomanta, cujo processo de licitação está seguindo o rito dos prazos legais e a previsão de término é no final deste mês. "Outras obras de contenção de encostas estão previstas para serem iniciadas ainda esta semana, com a construção de muros de arrimo", disse.
A gestão municipal alegou também que não foram registradas outras movimentações de barreira por conta das chuvas desta madrugada na cidade.
Por último, que a Defesa Civil de Olinda mantém 30 pessoas nas ruas fazendo monitoramento preventivo nos pontos mais críticos da cidade. Cerca de 50% da população de Olinda reside nos morros. Desde o ano passado, mais de 50 famílias foram removidas de áreas de risco na cidade.