A procuradora- geral do Ministério Público de Contas, Germana Laureano, defende a transparência como princípio basilar na prestação de contas dos entes públicos. A entidade já emitiu várias recomendações, junto com outros órgãos, para tentar disciplinar o uso dos recursos destinados ao combate do coronavírus. Na entrevista abaixo, ela mostra o que o MPCO, que é um órgão que atua perante o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), está fazendo nesse sentido.
JORNAL DO COMMERCIO – É de conhecimento de todos que os Estados e municípios estão recebendo muitos recursos para serem usados no enfrentamento à pandemia. Como será o controle desses gastos na prática?
GERMANA LAUREANO – Temos recebido denúncias de superfaturamento, mas temos muito cuidado com o tratamento que se dá a essas denúncias, porque a gente também sabe que o próprio mercado das aquisições desses equipamentos – como EPIs para o combate ao coronavírus, respiradores, máscaras – está flutuando muito. Tanto é que existe uma dificuldade de se encontrar um parâmetro de preço para apurar se há ou não superfaturamento. Então, essa é uma análise que tem sido muito cuidadosa. Quando recebemos esse tipo de denúncia, estamos mais focado em verificar, por exemplo, se a empresa que está sendo contratada tem condições de fornecer o equipamento. A questão do superfaturamento não é desimportante, mas não é o primeiro olhar, porque o gestor precisa do equipamento. Não se pode barrar uma compra sem ter absoluta certeza que ela tem condições de ser feita em outro cenário, com o preço menor, até porque estamos tratando de salvar vidas nesse momento. Temos que ter essa responsabilidade também e o foco não pode ser só o superfaturamento. Vamos olhar e chegar num momento de responsabilizarmos se isso (o superfaturamento) de fato ficar caracterizado. Mas tem que ter a responsabilidade de identificar que o mercado existente agora não é o de antes da pandemia.
JC – E como o gestor faz se os preços aumentaram?
GERMANA – O mercado é orientado pela lei da oferta e da procura. Como a procura aumentou muito e a oferta é pequena, o produtor inflaciona o preço e, quem precisa, tem que se submeter a isso. Exigimos do gestor que pesquise o mercado que existe. Se comprovar que pesquisou e o preço que encontrou foi aquele, a gente tem que exercer a empatia. Tem que ter muito cuidado no controle do que é o superfaturamento porque, por exemplo, o cidadão comum olha e diz eu pagava R$ 0,50 num copo de água mineral e tem secretaria comprando por R$ 2, mas a secretaria está encontrando por R$ 0,50 hoje? Esse é o exercício que tem que ser feito. Isso não quer dizer que não esteja havendo excessos, estão ocorrendo e, quando identificamos, estamos coibindo. Por exemplo, não está tendo aula, mas estamos vendo prefeituras deflagrando licitação para fazer transporte escolar. Isso não faz sentido. As prefeituras devem usar os recursos e disponibilidades direcionadas para combater a pandemia. Temos que ter a sensibilidade de identificar o que de fato é excesso e o que não é.
JC – Como o MPCO está acompanhando os cortes de gastos das prefeituras durante a pandemia?
GERMANA – Estamos acompanhando o cumprimento de todas as recomendações ligadas ao contingenciamento, que é o corte de gastos. E teve muita recomendação no sentindo de não conceder reajuste para a maioria das categorias (de servidores). Obviamente, isentamos algumas categorias, seja porque tem garantias asseguradas por lei, como é o caso do piso dos profissionais do magistério, ou seja porque são categorias envolvidas diretamente no enfrentamento à pandemia, como é o caso dos agentes comunitários de saúde. Recomendamos, junto com o Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), que não fossem feitas aquisições, contratações, licitações para áreas que não fossem essenciais ou que não fossem relacionadas, de alguma maneira, com o combate ao covid-19.
JC – E quais são as principais recomendações nesse momento?
GERMANA – Não fazer licitações nem contratações de bens ou serviços que não sejam ligadas aos serviços essenciais ou diretamente ao enfrentamento da pandemia. Ou seja: o que puder deixar para depois ficar, realmente, para depois. Agora, é pegar todas as reservas para utilizar no enfrentamento da pandemia. A hora não é de novos gastos.
JC – Nessas denúncias de irregularidades há alguma que chamou a atenção da senhora?
GERMANA – Temos algumas que já conseguimos reverter, que foi a impressão de cartilhas, cada uma com 18 páginas, com orientações sobre a covid-19, para distribuir com a população, pelo custo de R$ 180 mil. A imprensa todo dia mostra essas orientações, já conhecidas das pessoas. Então, a gente questionou a Prefeitura de Condado que devolveu o dinheiro, apesar de já ter tido o gasto. Os recursos foram devolvidos para o Fundo de Saúde de Condado. Teve a questão dos smartphones – também já divulgada – que seriam comprados pela Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) por dispensa (de licitação), provocamos o TCE-PE e o tribunal determinou que fosse feito um pregão. E tem outras em fase de investigação que, oportunamente, vamos divulgar.
JC – E quais são os principais resultados do trabalho do MPCO durante esta pandemia?
GERMANA – A gente tem conseguido, por exemplo, imprimir mais transparência às despesas neste período. Nós formulamos em conjunto com o Ministério Público Federal uma recomendação para o governo do Estado dar mais transparência sobre as suas aquisições num link específico sobre as despesas com a covid-19 porque a própria lei federal nº 13.979 – especial sobre a covid-19 – exige isso. As Organizações Sociais de Saúde (OSS) que recebem muitos recursos ordinariamente e, agora, para lidar com a pandemia, vão receber mais, e aí emitimos uma recomendação específica para as OSS. Emitimos uma recomendação à PCR no sentido de aprimorar o seu portal da transparência específico para a covid-19. Vamos expedir uma recomendação para as demais prefeituras de Pernambuco que estão recebendo recursos específicos para o enfrentamento à pandemia e a maioria não atende o que a lei da covid-19 exige, que é um link especial para divulgar esses gastos. Na nossa atuação, temos visto retorno, que é uma maior visibilidade dessas despesas e contratações. Alertamos o governo do Estado que quando for fazer chamamentos públicos tem que respeitar o prazo mínimo de três dias úteis. Senão, não é um chamamento público. Estamos conseguindo, aos poucos, por ações pontuais e específicas, mostrar que o tempo é complexo, atípico, mas algumas normas precisam ser seguidas.
JC – E por que a transparência é tão necessária?
GERMANA – A transparência porque o recurso é do povo. Então, o povo precisa saber onde está sendo aplicado e os órgãos de controle, que atuam em nome do povo, também. Sem a transparência, a gente não sabe qual é o objeto em que está sendo aplicado este recurso, se é mesmo no combate à pandemia, quais as empresas que estão recebendo. A transparência é a primeira exigência basilar numa República, um governo que é de todos. E quem governa, governa em nome de todos. Então, transparência é a regra nº 1 em qualquer circunstância. Numa circunstância atípica, a transparência se faz ainda mais importante. Na semana passada, foi editada uma medida provisória, do governo federal, autorizando o pagamento antecipado do poder público. Se pode pagar antecipadamente, é muito mais importante que seja transparente.
JC – E o pagamento antecipado do IPTU de 2021 e da taxa de limpeza urbana pela Prefeitura do Recife ficou como?
GERMANA – A pedido de um colega do MPCO, Cristiano Pimentel, o conselheiro do TCE Carlos Porto concedeu uma cautelar pedindo para a PCR informar os nomes, CPF ou CNPJ de quem está fazendo essa antecipação. Por ora, pode haver antecipação e, se for feita, terão que ser divulgadas essas informações. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.