Um dia após a denúncia do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) sobre a compra de 500 respiradores pulmonares pela Prefeitura do Recife à Juvanete Barreto Freire, que atua como microempreendedora individual e vendedora de produtos de pet shop e colchões, a empresa desistiu nesta sexta-feira (22) do contrato.
A alegação foi a de que estava se retirando do negócio por conta da repercussão, expondo de maneira negativa o nome de Dona Juvanete. Na sexta-feira mesmo, a empresa reembolsou a PCR em R$ 1,075 milhões (a reportagem do JC Teve acesso ao TED) e solicitou a devolução dos 35 respiradores que haviam sido entregues. Mesmo com a desistência, o MPCO afirmou que vai manter a investigação.
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Ainda nessa sexta, a Polícia Federal determinou que a Secretaria de Saúde do Recife apresente documentação referente à aquisição de máscaras cirúrgicas, toucas, aventais descartáveis e cama hospitalar, após dispensa de licitação que supera R$ 15 milhões.
Levantamentos preliminares da CGU apontam que o valor licitado é aproximadamente 53 vezes maior que o Capital Social da empresa contratada, gerando dúvidas sobre a capacidade de arcar com o contrato. A preocupação dos órgãos de controle e o acionamento Polícia Federal são para garantir o bom uso do grande volume de recursos destinados ao combate ao novo coronavírus.
A Prefeitura do Recife é alvo de auditorias do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e de investigações do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Ministério Público Federal (MPF-PE) e do Ministério Público de Contas (MPCO). Na última quinta-feira (21), o procurador do MPCO Cristiano Pimentel apresentou ao TCE uma denúncia de suposta irregularidade na compra dos respiradores.
Na denúncia, o MPCO apontou indícios como o fato de a empresa ser MEI, o pequeno Capital Social de R$ 50 mil para arcar com um contrato de R$ 11,5 milhões, a recente criação da empresa em outubro de 2019, a natureza do negócio (produtos veterinários/colhões) e o baixo valor médio do respirador (R$ 23 mil, enquanto no mercado custa entre R$ 60 e R$ 100 mil).
A reportagem do JC conversou, na última sexta, com o filho de Dona Juvanete e sócio-proprietário da Bioex, Leonardo Freire. Ele explicou que foi feito um primeiro empenho de 200 respiradores para serem entregues em lotes de 50 unidades, com prazo de entrega em 3 meses. Para as prefeituras, a empresa costuma vender com pagamento antecipado, e a Prefeitura do Recife desembolsou R$ 1,075 milhão por 50 respiradores, mas só recebeu 35. Um próximo lote seria enviado na última quinta-feira (28), por frete aéreo, mas a Bioex desistiu de enviar.
“Devido a essa repercussão negativa na mídia, expondo de maneira negativa o nome da minha mãe, nós decidimos não enviar os produtos e solicitar o cancelamento do contrato, fazendo a devolução do dinheiro imediatamente”, diz o empresário. Segundo ele, a Bioex atua há 13 anos na área hospitalar e fabrica produtos como autoclaves, ultra-som dentário, negatoscópios, válvulas para aparelhos de anestesia e outros. A fábrica está localizada no município de Sumaré, em São Paulo.
Questionado por que a empresa de Dona Juvanete participou da licitação dos respiradores no lugar da Bioex, que teria expertise na área de saúde, ele afirma que “a Bioex não vende diretamente ao consumidor, ela trabalha apenas com revenda para distribuidores. Para esse pedido específico e para não encarecer o produto para a Prefeitura e para que mais pessoas tivessem acesso aos equipamentos e salvar o máximo de vidas possíveis, optamos por usar uma revendedora da nossa mãe que não visou o lucro da revenda. Minha mãe se aposentou e criou a empresa para fazer vendas pela internet e participar de licitações. As empresas, de acordo com o faturamento, vão subindo e deixando de ser MEI”, diz Leonardo Freire.
Ele afirma também que as respostas a todos esses questionamentos foram passadas ao MPCO. “A Prefeitura já realizou 10 processos de compras com diversos fornecedores diferentes. A empresa ofereceu respiradores a preços bem abaixo do valor de mercado (R$ 21,5 mil e R$ 25,5 mil), visto que a própria imprensa tem mostrado que respiradores estão sendo comprados no Brasil por mais de R$ 100 mil. A empresa Juvanete Barreto Freire, representante comercial da Bioex, fabricante dos respiradores, tem toda a documentação necessária para a venda dos aparelhos ao serviço público”, diz em nota.
O respirador da Bioex é um produto nacional e de baixo custo, desenvolvido especificamente para o enfrentamento da pandemia da covid-19. “A empresa tem capacidade para fabricar 100 unidades por semana, e vamos aumentar para 500 a partir da próxima semana, em função da demanda. Hoje, já vendemos para todo o Brasil”, destaca. “No Recife, nós estávamos fazendo entregas parciais, conforme o contrato. Eles foram entregues testados, nossa equipe foi enviada e fez o treinamento. Mas retiramos eles hoje (sexta, 22)”, afirma.
O procurador Cristiano Pimentel assinala que as investigações vão prosseguir mesmo com a desistência da empresa. “Queremos saber se esses respiradores são aparelhos reais ou não. Se a PCR está envolvida, involuntariamente ou não, em algum golpe de respiradores, comuns em todo o País”, assinala.
Em nota encaminhada à imprensa, o MPCO ressaltou a necessidade cobrar responsabilidade à empresa que levou os respiradores. “Aguarda o MPCO que a Prefeitura do Recife cumpra o seu dever de cobrar da Sra. Juvanete Barreto Freire a multa contratual decorrente da rescisão”, diz o texto.
Outro questionamento que fica é se, com 50 respiradores pagos e somente 35 entregues, caberia à empresa cumprir com a entrega do restante e encerrar o contrato, em vez de tirar os equipamentos de dentro do hospital, como fez.
Pernambuco depende dos respiradores para colocar em funcionamento novas UTIs, num momento em que a taxa de ocupação dessas unidades está em 97%. De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado, o governo comprou 525 novos respiradores, e somente 70 teriam chegado. No caso do Recife, a Prefeitura diz que tem 133 respiradores, sendo 125 em leitos de UTI e 8 em salas vermelhas. E aguarda receber mais respiradores até o mês de junho.
Os últimos acontecimentos demonstram que não há harmonia entre algumas medidas tomadas pela Prefeitura do Recife e o procurador do MPCO Cristiano Pimentel. Em nota, a Prefeitura disse que tem atuado em colaboração com todos os órgãos de controle e que essa postura tem dado resultados positivos, mas que o mesmo não acontece com o procurador.
“Infelizmente, ao que parece, essa não tem sido a relação do Procurador Cristiano da Paixão Pimentel com a Prefeitura. Somente ontem, indícios apontam que o referido procurador deu notícias de uma representação interna a 11 de veículos de imprensa, além de ter dado uma entrevista à Rádio Jornal, aparentemente com o intuito de construir um suposto escândalo. Somente em suas redes sociais pessoais, o procurador fez 12 postagens sobre o tema em um único dia. O que é mais estranho é que tudo aconteceu antes mesmo de a Prefeitura ter sido notificada da representação interna para esclarecer as dúvidas sobre o processo. Fica a dúvida, se o interesse é mesmo pela apuração dos fatos, o que é um dever do procurador, ou apenas criar um suposto escândalo na mídia e gerar consequências político-eleitorais”, diz.
O texto da nota prossegue afirmando que a investigação teria atrapalhado a compra dos respiradores. “O resultado de toda esta situação, é que os respiradores pulmonares que iriam salvar vidas de recifenses, agora vão salvar vidas em outras cidades. A Prefeitura lamenta muito que a situação criada por um comportamento duvidoso, tenha gerado esse prejuízo à nossa população”, afirma a PCR.
O MPCO rebateu por meio de em nota. “Após noticiar que, depois de se tornar pública a suposta fraude que envolve a sua marca, a microempresária desistiu da contratação, a Prefeitura do Recife atribuiu, de forma desrespeitosa, a não entrega de respiradores à atuação do Procurador Cristiano Pimentel”, assinala a nota.
O MPCO rebate, ainda, a reclamação de a Prefeitura não ter sido notificada. “Sobre a suposta falta de notificação prévia sobre a representação interna, é preciso esclarecer que o documento, legal e regimentalmente, é dirigido ao Relator competente no TCE. Não cabe ao MPCO notificar à Prefeitura, mas sim ao Relator competente do TCE, quando entender ser o momento processual adequado.”
Esta semana, a PCR revogou uma licitação para aquisição de celulares para alunos em razão dos preços da aquisição, realizada por orientação do procurador Cristiano Pimentel. A licitação resultaria em prejuízo de R$ 900 mil à gestão municipal.