A Prefeitura do Recife (PCR) foi novamente alvo da Polícia Federal (PF), que, na manhã desta quinta-feira (23), deflagrou a terceira fase da Operação Apneia e a primeira da Bal Masqué. Ambas apuram supostas irregularidades em compras por meio de dispensas de licitação, na Secretaria de Saúde, para aquisição de materiais médico-hospitalares utilizados no combate ao novo coronavírus (covid-19). No âmbito da Apneia, pedidos de prisão preventiva contra o secretário Jailson Correia, o diretor-executivo de Administração e Finanças da pasta, Felipe Bittencourt, e a gerente de Monitoramento de Infraestrutura, Mariah Bravo, chegaram a ser expedidos pelo Ministério Público Federal em Pernambuco (MPF-PE), mas foram negados pela Justiça Federal. O MPF-PE afastou Bittencourt e Mariah de suas funções públicas.
De acordo com o parecer do MPF-PE, ao qual o JC e o Blog de Jamildo tiveram acesso, a PF indicou que servidores da Secretaria de Saúde do Recife, incluindo Jailson e Felipe, movimentavam “relevantes quantias em espécie”. “Exemplo disso foi o comprovante de depósito encontrado pela equipe policial no gabinete do Secretário de Saúde Jailson de Barros Correia quando da realização de busca em apreensão no local”, diz trecho da investigação. O comprovante anexado ao parecer mostra um depósito feito na conta bancária de Correia, no dia 25 de maio de 2020, no valor de R$ 5 mil.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão que investiga movimentações financeiras em todo o País, chegou a fazer um relatório sobre o secretário de Saúde. Segundo a Polícia Federal, o Coaf apontou supostamente que Jailson Correia não tem justificativa para as “relevantes quantias” movimentadas.
Em relação a Bittencourt, as investigações mostram um depósito realizado em espécie, em julho de 2018, no valor de R$ 50 mil. “Embora não tenha sido realizado no período dos contratos sob investigação, tal movimentação levanta a suspeita de que o investigado movimenta valores em espécie, conduta comum entre indivíduos que desejam evitar o rastreamento da sua movimentação financeira”, diz trecho do documento.
O MPF-PE, então, diz que, diante das movimentações financeiras, “é essencial aprofundar as diligências visando apurar se houve pagamento de vantagens indevidas aos servidores da Secretaria de Saúde do Recife e de outras pastas da Prefeitura de Recife/PE, como também possível ocultação de valores eventualmente originários de transações dessa natureza”.
A Apneia investiga a compra de 500 respiradores pela Secretaria de Saúde à microempresa Juvanete Barreto Freire. O contrato foi firmado no dia 1º de abril, através de dispensa de licitação, no valor de R$ 11,5 milhões. A empresa chegou a enviar 35 aparelhos, com o pagamento de R$ 1,075 milhão. Mas no dia 22 de maio, um dia após o Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) denunciar ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) supostas irregularidades na aquisição dos ventiladores pulmonares, a empresa rescindiu o contrato com a Prefeitura do Recife, recolheu os equipamentos que já tinham sido entregues e reembolsou a gestão municipal com o valor integral que havia sido pago. Seis dias depois, o JC revelou que os aparelhos não tinham certificação da Anvisa e que foram testados apenas em porcos.
Segundo as investigações da PF, o núcleo empresarial investigado estava tentando adaptar os aparelhos para uso humano, sem seguir as normas da Anvisa. Ainda segundo a PF, a gestão da PCR tinha ciência da irregularidade dos aparelhos, pois teria feito um laudo a respeito com uma empresa privada.
O MPF-PE também pediu a prisão temporária de Juvanete e de seu marido, Juarez Freire da Silva. A Justiça também negou esses pedidos. O Ministério Público afastou Juarez das atividades de natureza econômica no núcleo empresarial, ficando impedido de firmar contratos com órgãos públicos, e determinou o sequestro de bens no valor de R$ 9,9 milhões.
Por nota, o advogado Ademar Rigueira, que faz a defesa de Jailson Correia e de Felipe Bittencourt, afirma que recebeu “com surpresa” a deflagração das operações e que seus clientes estão à disposição para contribuir com as investigações. O texto diz, ainda, que as ações têm caráter midiático, uma vez que na próxima semana um habeas corpus será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, “no qual se discutirá a competência da própria Polícia Federal para conduzir essas investigações”.
A reportagem não conseguiu contato com a servidora Mariah Bravo.
BAL MASQUÉ
Na operação, a PF investiga uma compra no valor de R$ 15 milhões à empresa pernambucana Deltamed para o fornecimento de máscaras, aventais e toucas de uso hospitalar. O município pagou o valor total do contrato, mas, segundo a Polícia Federal, ficou faltando entregar produtos no valor de R$ 7 milhões. Ainda segundo a PF, só de máscaras foram cerca de R$ 4 milhões não entregues.
“O decreto de (situação de) emergência foi no dia 15 de março, em 16 de março a empresa já estava sendo contratada. Dois dias depois, 18 de março a empresa já estava com as notas fiscais emitidas da quantidade total de máscaras, milhões de máscaras vendidas. A empresa só adquiriu esses materiais dois dias depois, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, e passou a entregar de forma parcelada os itens de proteção”, afirmou a delegada da PF Mariana Cavalcanti.
A Deltamed é uma empresa que fornece medicamentos, localizada no bairro do Zumbi, na Zona Oeste do Recife. Ela já firmou contratos com outras prefeituras do Estado, mas, de acordo com a PF, a proprietária que consta no contrato social da empresa seria uma “laranja”. A reportagem do JC não conseguiu contato com a Deltamed.
Em nota, a PCR disse que todas as contratações e compras feitas pela Secretaria de Saúde para a emergência da covid-19 têm sido realizadas dentro da legalidade. “Sobre a compra de máscaras, todas foram devidamente recebidas e estão sendo utilizadas pelos profissionais de saúde nos hospitais. Em relação aos respiradores, os equipamentos não foram utilizados e com a demora da autorização da Anvisa, os equipamentos foram devolvidos à empresa e o valor pago foi totalmente devolvido para a Prefeitura, sem prejuízo para os cofres municipais”, afirma.
Em nota, a empresa Juvanete Barreto Freire disse que a contratação feita pela Prefeitura do Recife "foi realizada em caráter emergencial porém sem nenhuma irregularidade. Não houve superfaturamento pois em plena Pandemia seu valor foi de R$ 21.000,00 cada um. Os Equipamentos são eficazes e estão disponíveis em local sabido pela Justiça para perícias que amparam essa afirmação. A fabricante possui todas as licenças para seu funcionamento. Os equipamentos passaram por testes com corpo clínico próprio e teste biológico para atestar sua eficácia seguindo todas as normas técnicas pré estabelecidas, teste nesse caso em Suíno. O Comitê de ética aprovou todos os procedimentos dentro de um renomada Equipe em Hospital na cidade de São Paulo". A empresa também afirmou estar a disposição da Justiça e de quem mais se interessar quanto a esclarecimentos deste fato, "pois é espantoso a proporção do caso, sendo que em momento algum houve dolo nos atos praticados nesse negócio jurídico em questão".