Uma das primeiras ações de Arthur Lira (PP-AL) como novo presidente da Câmara dos Deputados foi instalar um grupo de trabalho que deve propor mudanças no Código Eleitoral. Outras legislações, como a Lei das Eleições e a Lei da Inelegibilidade, também poderão ser debatidas. O grupo terá 90 dias, prorrogáveis por mais 90, para elaborar estudos e apresentar uma proposta. O deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) foi indicado para presidir os trabalhos do grupo. A deputada Margarete Coelho (PP-PI) será a relatora. O colegiado é formado por mais 13 deputados. Nenhum dos membros é de Pernambuco.
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No entanto, a medida despertou preocupação em grupos anticorrupção, de transparência partidária e movimentos de renovação política, que enviaram uma carta a Arthur Lira manifestando preocupação com a possibilidade de mudanças no sistema eleitoral e com a implantação de medidas que impeçam o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de criar normas sem discussão no Congresso.
O Código Eleitoral Brasileiro atual é de 1965, e não existe hoje uma lei específica sobre o processo eleitoral, que é tratado pelo próprio Código Eleitoral, além da Lei das Eleições, Lei dos Partidos Políticos e Lei das Inelegibilidades, e pelas normas gerais dos processos cíveis. Assim, na avaliação do cientista político Arthur Leandro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o TSE cria normas justamente pelo fato da legislação eleitoral não estar adequada a demandas atuais.
"A legislação eleitoral é antiga e a expedição de normas pelo TSE ocorre porque a legislação não contempla todas as situações, como cota racial e distribuição dos recursos do fundo eleitoral, que é algo contemporâneo. O TSE tem agido no silêncio da Lei. Assim, não acho que há conflito caso o Congresso faça mudanças. O próprio TSE não quer essa atribuição, é melhor, do ponto de vista da reputação, para autoridades judiciais não atuar na brecha da Lei, isso assegura uma posição de guardião da Lei. Quando o Judiciário legisla na brecha da Lei, se tona ator político, com isenção questionada", afirmou o especialista.
Antes da eleição na Câmara, Arthur Lira já apontava possíveis mudanças no sistema eleitoral e criticou a atuação dos Tribunais Regionais Eleitorais. Na ocasião, ele defendeu que a necessidade de padronização de regras eleitorais. "O TRE de Alagoas não pode julgar diferente do TRE de Minas Gerais, do TRE do Amazonas, do TRE de Brasília. Temos que ter uma legislação clara para aquele candidato saber que se sair da linha vai ter penalidade. Hoje você tem dois julgamentos diferentes num mesmo TRE sobre um mesmo assunto", disse o deputado.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), já avaliou, na última semana, ser desnecessária uma nova lei para limitar o poder do TSE de editar resoluções que regem as eleições. Ex-presidente do TSE, ele diz que o Código Eleitoral já prevê que a Corte deve se limitar a regulamentar a lei, sem avançar sobre o poder de legislar do Congresso. "Vai adiantar repetir que o TSE não pode invadir a seara do Congresso, repetir o que está no Código Eleitoral? Para quê? Se já não se cumpre — se é o caso, eu não estou afirmando — o que está na lei complementar que é o Código Eleitoral, se cumprirá uma lei ordinária?", questionou o ministro em entrevista ao jornal O Globo.
O cientista político Juliano Domingues, da Universidade Católica de Pernambuco, aponta que o embate entre parlamentares e o TSE é esperado "porque reflete uma disputa pelo poder de criar e modificar as regras do jogo, sobretudo quando um dos jogadores, no caso dos parlamentares, corre o risco de ver reduzida sua capacidade de atuar em causa própria", afirmou o especialista ao JC.
Juliano ainda aponta ser possível haver tentativas de mudanças em relação a cotas, mas enxerga dificuldade e aprovação nesse sentido. "É possível uma vez que essas regras incentivaram uma representação mais inclusiva e diversificada, contrariando interesses já estabelecidos. No entanto, ir de encontro a medidas inclusivas e populares representaria um custo de transação um tanto elevado, o que representaria um desincentivo à reversão dessas iniciativas", comentou.
O grupo de trabalho da Câmara que tratará das mudanças na legislação eleitoral se reúne na terça-feira (23), por videoconferência, para apresentação do plano de trabalho da relatora, deputada Margarete Coelho. Ela já adiantou que espera evitar qualquer prorrogação dos trabalhos, lembrando que há novas eleições em 2022. “A ideia é que tenhamos antes disso um novo Código Eleitoral e um novo Código de Processo Eleitoral votados e aprovados”, disse Margarete. Segundo a Constituição, alterações eleitorais precisam entrar em vigor um ano antes da eleição seguinte.
Na carta a Lira, os movimentos Transparência Partidária, Contas Abertas, Transparência Brasil, Instituto Ethos e Instituto Não Aceito Corrupção reiteram a preocupação com declarações dadas pelo deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) de que a intenção é concluir os trabalhos em 70 dias. Os movimentos ainda pedem que esse grupo de trabalho seja convertido em comissão especial – órgão obrigado a seguir a proporcionalidade da representação partidária, registrar e divulgar todos os debates e documentos, prever prazos específicos para realização de audiências públicas com representantes da sociedade e apresentar relatórios, emendas e pedidos de vista.
Ainda segundo a relatora Margarete, entre os temas que serão discutidos pelo grupo estão o voto impresso - defendido pelo presidente Jair Bolsonaro -, cláusula de desempenho dos partidos políticos e das coligações, atos preparatórios para as eleições, crimes eleitorais, inelegibilidade, financiamento e propaganda eleitoral. O sistema partidário em si está fora do escopo de temas a serem debatidos no grupo e deve ganhar discussão na comissão mista que ainda será criada.
Na visão de Arthur Leandro, as mudanças poderiam impactar, inclusive, na Lei da Ficha Limpa. "Acredito que é a oportunidade de rever uma lei que gerou passivos para os congressistas, principalmente os envolvidos em representação penal. Condenados em segunda instancia ficam inelegíveis e isso seria um problema para boa parte do Congresso que, se não é condenada, é ré e se vê em risco de ficar de fora da atuação. Quando se discute reforma, os pontos incômodos ao establishment são passíveis de revisão", disse o professor.
Margarete já foi questionada durante a semana sobre a Lei da Ficha Limpa e disse que a ideia não é rever inelegibilidade, mas, sim, para compatibilizar o sistema. De acordo com ela, as alterações do grupo não visam provocar "grandes abalos no sistema político e no sistema eleitoral".