O presidente Jair Bolsonaro participou nesta terça-feira (10) de um inédito desfile militar em frente ao Palácio do Planalto e do Congresso, em Brasília, em meio a um clima de tensão institucional por seus reiterados ataques ao sistema eleitoral.
Junto com os comandantes do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e alguns ministros, Bolsonaro observou o comboio de veículos militares do alto da rampa do Palácio do Planalto, com vista para o Congresso e para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Formalmente, o evento foi organizado para que membros das Forças Armadas entregassem ao presidente o convite para um exercício militar que ocorre anualmente desde 1988, a cerca de 80 quilômetros da capital.
Fora de qualquer data pátria, porém, o desfile dos blindados e de outros veículos militares pela região central de Brasília, sede dos Três Poderes, é apontado por observadores como algo inédito desde a redemocratização no país e como um gesto de força de Bolsonaro, cada vez mais acossado por investigações judiciais e com sua popularidade em declínio.
"O presidente usa o desfile dos blindados como uma tentativa de intimidação ao STF e ao Congresso, para mostrar que as Forças Armadas estão ao seu lado e que apoiam suas demandas, mesmo as mais controversas, como o retorno do voto impresso", disse à AFP o professor de Ciência Política Maurício Santoro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O desfile militar coincide também com a discussão no Congresso Nacional de uma proposta para modificar o sistema de votação eletrônica, atual alvo das críticas do presidente.
"Bolsonaro imagina com isso estar mostrando força, mas na verdade está evidenciando toda a fraqueza de um presidente acuado pelas investigações de corrupção", criticou o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, que investiga as causas do fracasso do governo na gestão da crise sanitária, referindo-se ao que chamou de "cena patética".
Outros senadores também criticaram o evento militar, classificando-o como uma tentativa de intimidar o Congresso.
Tanto Bolsonaro quanto a Marinha, que organiza o exercício militar, negam qualquer relação entre o desfile e as presentes discussões legislativas.
"Como ocorre desde 1988, a nossa Marinha realiza exercícios em Formosa/GO. Como a tropa vem do Rio, Brasília é passagem obrigatória (...) receberei os cumprimentos da Força e lhes desejarei boa sorte na missão", afirmou Bolsonaro na véspera, em mensagem dirigida a membros do Judiciário e do Congresso, a qual assinou como "Chefe Supremo das Forças Armadas".
Nas últimas semanas, o presidente intensificou seus ataques ao Supremo e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cujos juízes acusa de quererem prejudicá-lo em sua tentativa de reeleição, em 2022.
Bolsonaro garante que houve fraude nas últimas duas eleições presidenciais e que ele deveria ter vencido já no primeiro turno, em 2018. Segundo a Justiça eleitoral e vários especialistas, as alegações são completamente infundadas.
O presidente pede que as urnas eletrônicas, o bem-sucedido e internacionalmente reconhecido sistema em vigor no país desde 1996, passem a imprimir um recibo dos votos, para que possam ser contados fisicamente.
Os repetidos questionamentos de Bolsonaro sobre a legitimidade das eleições levaram a Justiça eleitoral e o STF a abrir investigações contra ele.
O presidente também enfrenta uma investigação por suspeitas de que ignorou acusações de corrupção na negociação, por parte de seu governo, de doses da vacina indiana Covaxin.
Bolsonaro chegou a ameaçar usar um "antídoto" fora da Constituição contra esses procedimentos judiciais, os quais ele considera ilegais.
Desde que assumiu o poder, em janeiro de 2019, Bolsonaro nomeou vários militares em diferentes ministérios e outros postos-chave do governo.
Para o professor Maurício Santoro, cada vez mais as Forças Armadas estão aceitando participar das "manobras políticas" de Bolsonaro, algo inédito desde o fim da ditadura no Brasil (1964-1985).
"Desde a redemocratização, os presidentes buscaram evitar conflitos com os militares, mas nenhum quis usá-los desse modo, pois havia o receio da elite política civil com os riscos de partidarização das Forças Armadas, algo que havia ocorrido com frequência ao longo do século XX. Bolsonaro rompe esse consenso", afirma Santoro.
Durante o desfile dos tanques, que durou cerca de 10 minutos, dezenas de apoiadores do governo se reuniram em frente ao Planalto. Alguns levavam faixas, pedindo uma intervenção militar para "salvar o Brasil".
"Bolsonaro está fazendo um governo muito bom, e os militares são parte do governo. Não me causam pânico, nem horror, pelo contrário. Eu apoio as Forças Armadas, elas estão protegendo a gente de forças inimigas", disse à AFP a aposentada Marissa Soares Gil, de 66 anos.