Há quase 50 anos, as Nações Unidas celebram o Dia Internacional das Mulheres em 8 de Março. Diferentemente do que se possa acreditar atualmente, a data não foi criada com intenções festivas ou comerciais, mas tem sua origem fincada na luta de mulheres que morreram em 1857 enquanto reivindicavam melhores condições de trabalho nos Estados Unidos. Mais de um século após esse episódio, no Brasil, muitas mulheres seguem lutando por seus direitos nas mais diversas áreas, entre elas a política.
Apesar de corresponderem a mais da metade do eleitorado do País, pouco mais de 15% dos eleitos em 2018 e 2020 foram mulheres. Ao longo dos últimos anos, muitas medidas foram adotadas para tentar equilibrar esse quadro, como a cota de gênero, por exemplo.
Recentemente, duas novas normas entram em vigor no pleito de outubro para estimular a participação de mais mulheres na política e enfrentar a violência nessa área: a tipificação como crime eleitoral das práticas de assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaça de candidatas ou detentoras de mandato, e a contagem em dobro dos votos recebidos por candidatas para o cálculo destinado à repartição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
Para a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), Priscila Lapa, desde o direito ao voto feminino, há 90 anos, os avanços para garantir a inserção da mulher nestes espaços de poder ainda são considerados lentos.
“Nós temos barreiras culturais, institucionais e estruturais do modelo de distribuição de papéis na sociedade que impedem que esses avanços sejam mais céleres e mais significativos. Mas, acredito que esse tema não passa mais em branco na agenda da sociedade, pois temos um olhar institucional diferente” explica a especialista.
Os partidos também possuem papel fundamental nesse processo, a partir do momento em que as candidaturas masculinas recebem investimentos superiores e os cargos de liderança partidária são ocupados, em sua maioria, por homens. “A gente tem que pensar em mecanismos para melhorar o sistema partidário como todo, fazendo com ele seja mais representativo aos anseios da sociedade e, consequentemente, consiga garantir a representação feminina de forma mais substancial”, defende.
Ainda segundo Priscila, é importante frisar que para além das discussões sobre a representação feminina nos cargos de poder, é preciso destacar que a mulher passou a entender melhor o papel dela na política como eleitora, reivindicando agendas que estejam voltadas para suas demandas.
Com mandatos no Legislativo há quase 20 anos, a deputada estadual Priscila Krause (União Brasil) conta que, por ser mulher, ao longo da sua vida pública já passou por diversas situações de constrangimento que poderiam até ter lhe afastado do ambiente político, muitas delas travestidas de “gentilezas”. Por conta disso, a parlamentar diz que considera fundamentais iniciativas como as que serão postas em prática neste ano para a mudança desse quadro, ainda que isso ocorra de forma não tão ágil quanto seria o ideal.
“Quando a lei de cotas foi instituída, na década de 1990, no começo houve um aumento da participação feminina nas eleições, mas depois isso ficou estagnado por cerca de duas décadas. O quadro só mudou quando a Justiça determinou que 30% do fundo de campanha fosse gasto com candidaturas de mulheres, aí nós vimos um aumento significativo na representação feminina nas Assembleias e no Congresso, porque se mexeu na igualdade de oportunidades, melhorou a condição de competição. Creio que essas novas regras também têm esse poder, talvez não vejamos os resultados nesta eleição, mas no médio prazo elas podem fazer diferença”, observou a deputada.
A vereadora do Recife, Liana Cirne (PT) também compactua da percepção que os avanços relacionados à participação feminina na política são lentos, mas destaca que as duas novas regras em vigor para o pleito deste ano, vão possibilitar candidaturas mais reais e plurais. “Acredito que demos um passo significativo para reduzir a disparidade e a desproporcionalidade das mulheres na política. Essa última alteração que computa em dobro os votos das mulheres, vai fazer com que se opte por candidaturas negras e femininas realmente viáveis. Com as chances reais de disputar um cargo, isso muda radicalmente as regras do jogo”, afirma.
Na visão de Priscila Krause, além dos movimentos que já foram realizados no sentido de possibilitar uma maior participação feminina na política, outras ações deveriam ser adotadas para que cada vez mais mulheres se sentissem à vontade em ambientes de poder. "Nós precisamos de formação cidadã nos partidos e nas escolas. E eu não estou aqui defendendo a partidarização de escolas, mas a educação cívica. Sempre que me perguntam qual a maior contribuição que eu dei ao entrar na política, eu respondo: participar. Estar presente no ambiente político para que outras mulheres vejam que é possível modificar esse lugar e torná-lo mais plural, mais justo, mais solidário. Para fazer da política na prática aquilo que ela é na teoria, um instrumento de transformação da vida das pessoas", declarou.
Vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Pernambuco (OAB-PE), Ingrid Zanella concorda com o posto de vista de Priscila, e leva a discussão também para o ambiente jurídico. "Nós precisamos ter instrumentos legais de incentivo à participação das mulheres na política. Hoje nós temos por volta de 30 partidos, mas pouquíssimos são comandados por mulheres, por exemplo. Temos mais eleitoras, mais advogadas, mas mesmo assim estamos em menor número na Câmara, temos pouquíssimas desembargadoras. E, diante desse cenário, eu creio que a OAB tem um papel relevantíssimo, sobretudo nessa questão da educação para a cidadania", afirmou a advogada.
Violência
Com aprovação da Lei 14.192/2021, que tipificou como crime eleitoral as práticas de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato, a violência política contra a mulher passou a ganhar destaque nos debates do parlamento.
“Sabe por que não se falava em violência política de gênero? Porque as mulheres ocupavam tão pouco espaço na política, que o problema ‘não existia’ de modo reiterado. A partir do momento que passamos ocupar meros 15% da política institucional, passamos a incomodar de tal modo, a parlamentares habituados em ocupar um espaço patriarcal com discursos frequentemente racistas, machistas e lgbtfóbicos”, relata Liana Cirne.
Na Câmara do Recife, dos 39 vereadores eleitos, a bancada feminina possui sete representantes. “Ocupamos a tribuna da Câmara, 50% a mais que os vereadores. Nós também temos uma produtividade que equivale a mais de 50% da Casa. E a bancada feminista, composta por três vereadoras, tem uma produtividade espetacular, com pautas e agendas que são feitas para acompanhar e identificar o dia a dia da mulher trabalhadora e reverberar essas soluções”, declara a parlamentar.
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